Era um delírio de múltiplas conspirações, e que alimentava a tese de que o
coronavírus fora produzido em laboratório, que era uma arma biológica, e
isso ainda ia ser comprovado. Com esse monte de teorias absurdas, não havia
espaço para o que eu dizia. Eu insistia para que me ajudasse, dizia que
estávamos segurando a situação com muita dificuldade. “O SUS está
começando a aumentar os leitos”, eu dizia a ele. “Estamos fazendo hospital
de campanha aqui, já conseguimos trezentos leitos ali. Vamos conseguir
respiradores no mês de maio, vamos conseguir mais respiradores no mês de
junho e vamos conseguir que tudo que a gente precisa chegue em julho.
Então é importantíssimo segurar o isolamento social até abril ou até metade
de maio, para termos o menor número possível de casos, senão nós não
teremos leitos e morrerão pessoas por desassistência.” Não adiantava.
Em outra tentativa para sensibilizá-lo, perguntei se ele já havia presenciado
alguém morrer por falta de ar. Ele disse que não, e descrevi como é. A pessoa
vai ficando roxa na sua frente, ela não tem como colocar o oxigênio para
dentro, é como morrer com uma mão apertando o pescoço. Morrer de asfixia
é uma morte bruta. Uma morte doída. Eu, médico, prefiro ver uma morte por
hemorragia, morte por traumatismo craniano, a ver uma morte por asfixia. Se
acontecer dentro da casa da pessoa, ou se acontecer na porta do hospital, se
acontecer sem assistência, não tem ninguém que esqueça uma morte nessas
condições. Viver ou morrer é desígnio de Deus, mas não dar condições para
que as pessoas lutem pela vida é inaceitável. Disse isso para o presidente,
mas ele novamente não se mostrou convencido.
- O uso da cloroquina como terapia adjuvante no tratamento de formas graves da covid-19 foi liberado
no fim de março por meio da Nota Informativa nº 5 do Ministério da Saúde. Disponível em:
<www.saude.gov.br/images/pdf/2020/marco/30/MS---0014167392---Nota-Informativa.pdf>.