Visão - Portugal - Edição 1441 (2020-10-15)

(Antfer) #1
15 OUTUBRO 2020 VISÃO 13

D

Durante algum tempo dividiu-se
entre Londres e o Egito, onde foi
correspondente do jornal britânico
The Guardian. Agora, Jack Shenker,
35 anos, vive na capital inglesa. O
centro financeiro de um país em crise,
económica e política, acentuada pela
pandemia, mas ainda com feridas
abertas por causa do Brexit. Cansado
de ver a comunicação social inglesa
falar apenas dos sintomas dessa crise,
através do que se passa em Westmins-
ter, decidiu seguir outro caminho e
procurar aquilo que considera ser a
raiz dos problemas, no livro Já Estão
a Prestar Atenção: Como se fará a
política do amanhã (Bertrand, 312
págs., €17,70), recentemente publicado
em Portugal.
Que caminho fez para tentar des-
cobrir aquilo que considera ser a
verdadeira razão da crise da política?
Se quisermos entender porque a nossa
política está em crise, precisamos de
ir onde estão as causas dessa crise
e não onde estão os sintomas. Os
sintomas estão em Westminster, nas
instituições, nos governos. Podemos
encontrá-los em toda essa confusão,
nos modelos constitucionais, nas
eleições gerais, nos diferentes primei-
ros-ministros e em todos os argu-
mentos sobre o Brexit. Mas, para mim,
a verdadeira razão está no facto de o
sistema económico ter dominado a
maior parte do mundo nos últimos 30,
40 anos, no Reino Unido, em Portugal,
a norte do globo, a sul... Em 2008, isso
implodiu e, ainda assim, a política ten-
deu a prosseguir como habitualmen-
te. Mesmo que, no terreno, para as
pessoas normais, já nada fosse normal.
Por esse motivo, a política reanimou-
-se com diferentes possibilidades:
algumas muito entusiasmantes, outras
muito assustadoras. Da esquerda
radical à direita radical, que pareciam
muito além dos limites, de repente,
começam a surgir de novo na política.


Quando comecei a minha jornada para
perceber o que estava a acontecer no
terreno, o que encontrei foi: pessoas,
frequentemente jovens, que não estão
abrangidas pelas regras antigas, a
tentarem tirar proveito deste momen-
to para se organizarem e lutarem por
alternativas.
Diz que muitos consideram que os
jovens não se interessam pela polí-
tica, mas, na realidade, observou o
contrário?
Absolutamente! As pessoas, incluindo
os jovens, são antipolíticos, mas isso
não significa que sejam antipolítica.
Apenas estão cansadas das velhas ins-
tituições. Para a maioria das pessoas,
isso não é política. Política é, pelo
contrário, tudo o que acontece no dia
a dia, na vizinhança. No livro, senti
que o importante era tentar mostrar
porque as pessoas estão cansadas da
política de Westminster. Isso não sig-
nifica que elas estejam envolvidas na
política, mas, na realidade, os jovens,
particularmente no Reino Unido, são
os mais políticos porque conseguem
ver os problemas com os seus pró-
prios olhos. Eles vivem-nos, a cada
dia.
Em 100 anos, temos a primeira
geração que ganha menos do que os
seus pais. Que leitura faz sobre estes
tempos?
Acho que o facto de termos a pri-
meira geração que, em 100 anos, vai
acabar mais pobre do que os seus pais
mostra que o statu quo é intolerável.
A legitimidade do modelo económico
antigo não foi baseada numa paixão
particular por esta ideologia. Os parti-
dos políticos apoiavam estas medidas
e acabavam por voltar a votar nelas
porque ofereciam tranquilidade e
competência. Atualmente, os partidos
não conseguem continuar a oferecer
isso. Como vários autores britânicos
já mencionaram, nenhuma ideologia
consegue sobreviver, se não tiver nada
para oferecer aos mais jovens.
Acha que, além deste “novo normal”
originado pela pandemia, podemos
dizer que haverá um “novo normal”
no mundo político?
O “novo normal” não está estabeleci-
do. Um exemplo do “novo normal” é o
que acontece num país como Portugal,
que tem um governo de centro-es-
querda apoiado por um movimento
político mais radical. De momento, o
“novo normal” é a “imprevisibilidade”.
Todos somos agentes políticos. Não
somos apenas consumidores passivos.

Não somos apenas espectadores a as-
sistir à política na televisão. Nós temos
a capacidade de mudar as coisas.
Depois das entrevistas que realizou
para o seu livro, consegue traçar um
perfil dos indivíduos que votaram
em partidos de extrema-esquerda e
de extrema-direita?
Sim. Muitas das pessoas que entrevis-
tei, bem como muitos dos movimen-
tos e organizações que segui, tendem
a estar mais à esquerda, em parte
porque são mais jovens. Eles não têm
as suas próprias casas, não têm grande
rendimento... Isso não é confortá-
vel e, como consequência, tendem a
posicionar-se mais à esquerda. No
livro menciono uma cidade perto de
Londres, Tilbury, onde ficam as docas
e onde vivem centenas de milhares de
pessoas. Era uma cidade industrial que
costumava votar no Partido Trabalhis-
ta e, agora, como acontece em muitas
zonas industriais de todo o mundo, o
número de pessoas lá empregadas é
muito menor, a comunidade sente-se
posta de parte em relação a Londres.
Tilbury tornou-se uma das principais
apoiantes do Brexit em todo o país,
com um grande número de cidadãos a
favor da saída da União Europeia.
Tenta justificar as escolhas e com-
preender o voto das pessoas, mesmo
que sejam de extrema-direita?
Exato. Mas eu não usaria a palavra
“justificar” porque acho que isso
pode significar que eu apoio essas
ideologias. Tento compreender e dar
voz a estas pessoas. As opiniões sobre
o referendo sobre a saída da União
Europeia tendem a ser muito liberais,
especialmente em Londres. Além
disso, têm uma grande cobertura
mediática que tende a dizer: “Estas
pessoas são idiotas, não têm formação,
são velhas e racistas.” Mas, na verdade,
é mais complicado do que isso. Uma
das coisas que retive das conversas
que realizei foi que uma das razões
pelas quais a extrema-direita e o
Brexit ganharam muitos apoiantes em
comunidades como estas é porque o
centro-esquerda não tem nada a dizer
a estas pessoas. Nos últimos anos, os
cidadãos de Tilbury têm assistido ao
crescimento de Londres, e o Partido
Trabalhista não conseguiu explicar
aos cidadãos o porquê de uns estarem
a empobrecer e outros a enriquecer.
Foi a extrema-direita que, ao longo
de 20 anos, tentou explicar o que
se passava. Partidos como o Partido
Nacional Britânico, a Frente Nacional
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