Clipping Banco Central (2020-10-19)

(Antfer) #1

CARLOS PEREIRA- Contorcionismo interpretativo


Banco Central do Brasil

O Estado de S. Paulo/Nacional - Política
segunda-feira, 19 de outubro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: CARLOS PEREIRA-


Assim como é possível a algumas pessoas fazer
acrobacias que envolvem flexões e contorções
extremas no corpo, também é possível observar
contorcionismos interpretativos de fenômenos políticos.


É surpreendente que, mesmo quando os atores políticos
passam a se comportar de acordo com as expectativas
geradas pelos incentivos e restrições institucionais,
muitos analistas ainda têm imensas dificuldades de
reconhecer as virtudes do sistema político brasileiro.
Preferem, por exemplo, creditar aos supostos "defeitos"
do sistema o enquadramento comportamental do
presidente Jair Bolsonaro. Fazem contorcionismo
interpretativo ao anunciar a fragilização das
organizações de controle como decorrente de supostos
"acordos", como se estas fossem indefesas ou passivas
às ações dos políticos.


Inebriado pela vitória surpreendente e pelos
compromissos antissistema de sua campanha à
Presidência, Bolsonaro inaugurou seu governo nadando
contra a corrente das regras do jogo político. Ignorou as


restrições institu- cionais do presidencialismo
multipartidário e se negou a montar uma coalizão,
preferindo governar na condição de minoria.

Baseado em extensa pesquisa empírica produzida pela
ciência política brasileira, era esperado que essa
estratégia governativa gerasse problemas crescentes de
governabilidade. Não deu outra! O governo colheu
derrotas sucessivas tanto no Legislativo como no
Judiciário. Além do mais, acirrou animosidades e se
engajou em conflitos abertos com outros Poderes.

Os custos decorrentes dessa estratégia adversarial de
governar tornaramse proibitivos para Bolsonaro, que viu
sua popularidade derreter e aumentarem os riscos de
interrupção precoce de seu governo.
Independentemente das motivações do presidente
(sobreviver, proteger seus filhos de investiga- ções,
obter sucesso no Legislativo e no Judiciário etc.), o
governo fez, mesmo que tardiamente, consideráveis
ajustes e inflexões em seu comportamento.

Ainda sem formar uma coalizão claramente majoritária e
estável, bem como sem explicitar quais os termos de
troca dessas alianças, Bolsonaro decidiu jogar o jogo do
presidencialismo multipartidário. O presidente vem se
aproximando dos partidos do Centrão, que têm
conferido estabilidade e previsibilidade à democracia
brasileira ao participar de quase todas as coalizões dos
governos pós-redemocratização.

Bolsonaro também diminuiu o tom do seu discurso
belicoso e autoritário que alimentava as conexões
identitárias com seu eleitorado mais reacionário. As
instituições políticas e de controle, portanto, têm sido
capazes de constranger as ações do governo ao ponto
do discurso confrontacional de Bolsonaro perder
autenticidade. Ou seja, o presidente, ao se domesticar,
se rendeu à "política tradicional". A democracia venceu!
O Brasil, em termos relativos, tem vivido o período mais
pacífico, longevo e estável da história de sua
democracia. Atores políticos e agentes econômicos que
apresentam comportamento desviante têm sido objeto
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