Pelé e a glória do mundo
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Folha de S. Paulo/Nacional - Saúde
quinta-feira, 22 de outubro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas
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Autor: Sérgio Rodrigues
No aniversário de 8o anos de Pelé, amanhã, não é fácil
explicar às novas gerações de fãs do esporte, cevadas
pelo talento luminoso de Messi e Cristiano Ronaldo, o
tamanho do sol que ele representou para o mundo.
Em parte, nada mais natural do que isso. Um provérbio
latino ensina há séculos que a glória deste mundo é
transitória. Mesmo assim, o caso de Pelé tem
peculiaridades bem brasileiras.
É possível -mas convém estudar os autos com cuidado
que Beckenbauer tenha sido mais elegante, Garrincha
mais driblador, Maradona mais habilidoso, Zidane mais
calculista, Cruyff mais imprevisível, Zico melhor nas
cobranças de falta.
Pode-se defender num debate -embora a polêmica seja
garantida- que o Fenômeno foi mais forte nas
trombadas, Roberto Carlos mais mortal no chute de
longe, Messi mais limpo no acabamento das jogadas,
CR7 mais letal de cabeça.
O que não está aberto à discussão é que nenhum
jogador da história chegou perto de combinar tudo isso
numa enciclopédia de recursos técnicos, físicos e
anímicos como Pelé. Se não acredita em mim, pergunte
ao Tostão.
E essa orgia de critérios esportivos -confirmada por
todas as estatísticas- ainda é só um pedaço daquilo que
transformou Pelé no maior mito da história do esporte
mundial.
Fica faltando contar que sua carreira explodiu quando a
TV ganhava o mundo, ao mesmo tempo que a luta
pelos direitos civis dos negros americanos começava a
mudar a paisagem social para sempre.
Mais que gênio esportivo, Pelé virou um personagem
maior que a vida. Será que veriam os "15 séculos de
fama" que lhe previu Andy Warhol, revisando sua
boutade dos 15 minutos? A história não seria tão
simples -nunca é.
Junto com o culto a Messi, sabor de sorvete do
momento, ganha espaço neste século a ideia de que as
proezas de Pelé se deram num tempo em que o futebol
era " fácil''. Ainda que fosse verdade (não é), faltaria
explicar por que era fácil só para ele.
Apesar de burra, a tese se fortalece quando combinada
a certa antipatia provocada na opinião pública pelas
limitações do Rei -ou de Edson, seu alter ego plebeu-
como cidadão e personalidade pública.
Conservador por temperamento, Pelé atingiu seu ponto
mais baixo na estima nacional quando resistiu a assumir
a paternidade de uma filha, Sandra, que parecia um
clone seu.
Se é inegável que ele foi uma inspiração poderosa para
milhões de negros em todo 0 planeta, sua postura
conciliadora em tais questões entra em conflito com a
doutrina antirracista contemporânea.