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Folha de S. Paulo/Nacional - Ilustrada
quinta-feira, 22 de outubro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas
outro casal e outra família? Que desculpa fajuta é essa,
da "honra", na qual os jurados de 2017 pareceram todos
acreditar?
Aparentemente, algo incomoda muito os homens na
própria ideia da liberdade amorosa de uma mulher -
aponto de um júri autorizar alguém a esfaquear sua ex.
O feminicídio (assassinato de mulheres por elas serem
mulheres) não vai sumir tão cedo de nossa crônica,
porque ele é uma espécie de vingança da estupidez
masculina, inevitável desde que a mulher reapareceu no
palco da história.
Reaparecer no palco, aliás, não é metáfora; afinal Maria
Louca proibiu os papéis femininos nos teatros dos
colégios... Enfim, o ódio pelas mulheres e pela própria
existência de seu desejo sexual é enraizado em cada
monoteísmo inspirado na Bíblia.
Mas esse ódio aumenta significativamente a cada vez
que a mulher, justamente, volta ao palco. Os anos
piores sempre foram os da reação contra qualquer
movimento de emancipação feminina.
Na segunda metade do século 14, por exemplo, num
mundo que começava a se tornar urbano e em que as
mulheres começavam a se cultivar, quem sabe a
aprender a ler e escrever, ou, "pior ainda", a exercer
alguma influência social e política nas cortes, a "razão"
europeia inventou de chamar as mulheres autônomas e
minimamente livres de bruxas e de exterminá-las.
Faz um século, nos melhores dos casos, que a mulher
conquistou o direito devotar E faz 50 anos, também nos
melhores dos casos, que ela conquistou o
reconhecimento de uma sexualidade feminina.
É uma visão que ainda, para muitos homens, é
intolerável e ameaçadora. Aponto de transformá-los, por
exemplo, em assassinos. E de tornar júris inteiros seus
cúmplices.
Acabou a caça às bruxas. Muito bem, mas parece que,
em compensação, abriu a caça às mulheres, que nem
sequer precisam ser bruxas.
Nota. Minha conta de Twitter foi hackeada e, ao que
consta, apagada. Espero que o Twitter resolva o
"mistério". Sem isso, logo anunciarei eventual nova
conta.
Psicanalista, autor de 'Hello Brasil!' (Três Estrelas),
'Cartas a um Jovem Terapeuta' (Planeta) e 'Coisa de
Menina?', com Maria Homem (Papirus)
Assuntos e Palavras-Chave: Cenário Político-
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