Congresso não pode descumprir a Constituição
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Folha de S. Paulo/Nacional - Opinião
quinta-feira, 22 de outubro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas
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Autor: Modesto Carvalhosa, Adilson Dallari e Ana Carla
Bliacheriene
Não podem ser aceitas as manifestações jurídicas
sustentando que a eleição dos membros das Mesas da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal é assunto
"interna corporis", insuscetível de controle judicial.
O Judiciário tem invadido competências dos outros
Poderes, tanto legislando quando interferindo em
políticas de governo. Possivelmente preocupado com tal
situação, o novo presidente do Supremo Tribunal
Federal, ministro Luiz Fux, em sua posse, ressaltou a
competência da Corte Suprema para a defesa da
Constituição, mas ressalvou que o controle de
constitucionalidade de atos de outros Poderes não
autoriza interferência em questões de competência do
Legislativo e do Executivo. Esse pronunciamento deu
ensejo a que se visse nisso uma sinalização de que o
STF não tomaria conhecimento da recondução dos
atuais presidentes, Rodrigo Maia (DEMRJ), na Câmara,
e Davi Alcolumbre (DEM-AP), no Senado, por ser
assunto "interna corporis".
Porém, a questão não está ao alvedrio dos
parlamentares, pois é objeto de expressa disposição
constitucional. O parágrafo 4° artigo 57, da Constituição
Federal (CF) , diz que as Mesas serão eleitas para um
"mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o
mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente".
Diante da clareza do texto constitucional, é inaceitável a
manifestação do procurador-geral da República,
Augusto Aras, sustentando que "não cabe ao Judiciário,
ainda que pela via do controle abstrato de normas,
substituir-se ao Legislativo a fim de definir qual o real
significado da previsão regimental. Tal conduta
representa inequívoca afronta ao princípio da divisão
funcional de Poder". Entretanto, não se trata de pura
interpretação do regimento interno, mas sim de
interpretação do regimento de maneira conforme
disposto na Constituição Federal.
Em seu pronunciamento, o procurador-geral invocou
decisão de Carlos Velloso, então ministro do STF.no
sentido de que a vedação de reeleição não é um
princípio, mas uma simples norma. O ex-ministro,
porém, salientou que "a norma do parágrafo 4o, do
artigo 57, da CF, é uma norma constitucional. É dizer, a
norma regimental foi constitucionalizada. Ela não é de
reprodução obrigatória nas Constituições estaduais,
porém é de cumprimento obrigatório pelas Câmaras
federais". Velloso deixou claro que seu voto não pode
ser invocado para validar a reeleição para o mesmo
cargo na legislatura imediatamente subsequente.
Por último, cabe lembrar que toda competência
conferida a um órgão ou autoridade implica o dever de
exercê-la; nunca é uma pura prerrogativa. No caso em
debate, o artigo 102 da CF diz que: "Compete ao
Supremo Tribunal Federal, precipuamente, aguarda da
Constituição". Precipuamente significa principalmente,
obrigatoriamente, irrecusavelmente. Portanto, à luz da
Constituição, não há a mais remota possibilidade de que
o Supremo venha a omitir-se diante da ameaça de clara
violação de expresso mandamento constitucional.