A politização irresponsável da pandemia
Banco Central do Brasil
O Globo/Nacional - Opinião
quinta-feira, 22 de outubro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas
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Nada de bom, nada mesmo, pode vir da disputa
estapafúrdia entre Doria e Bolsonaro em tomo da vacina
É um desrespeito com o brasileiro que a pesquisa de
vacinas contra a Covid-19 questão científica - tenha se
transformado numa disputa política estapafúrdia entre o
presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo,
João Doria. Caberia às autoridades estabelecer uma
estratégia consistente para garantir o acesso do
brasileiro à imunização, afastar o risco à saúde pública
e retomar a atividade econômica. Não parece difícil para
um país que dispõe de um programa de vacinação até
há pouco tempo exemplar.
Em vez disso, o Brasil vem sendo submetido a um
festival de oportunismo, ideologia e insensatez. O pivô
do conflito entre Doria e Bolsonaro é a CoronaVac,
vacina da chinesa Sinovac, testada em São Paulo pelo
Instituto Butantan. Como está no estágio mais avançado
de pesquisa, Doria se aproveitou dos primeiros
resultados - que garantem a segurança, mas nada
dizem sobre a eficácia - para prometer o que não podia:
vacinar a população a partir de dezembro. Pura
demagogia.
Bolsonaro reagiu como quem, desde o início da
pandemia, põe ideologia no lugar do conhecimento.
Soltou impropérios contra a vacinação obrigatória
(defendida por Doria), chamou a CoronaVac de "vacina
chinesa do Doria" e afirmou ter decidido "não adquirir a
referida vacina". Mais demagogia.
A verdade é que, no atual estágio das pesquisas, não
se sabe que vacinas darão certo. Há, de acordo com a
Organização Mundial da Saúde (OMS), 198 candidatas,
44 delas em testes clínicos. Dez estão na fase final, a
mais crítica e sujeita a surpresas desagradáveis. Se a
China tem mais chance de chegar antes a uma vacina
eficaz, é apenas porque está envolvida em mais
iniciativas avançadas. Mas nada está garantido. O certo,
para o Brasil, não é descartar uma ou outra com base
em preferências ideológicas. É apostar em várias.
Pesquisas levam tempo. O recorde anterior à pandemia
é da vacina contra o ebola, que levou cinco anos até a
aprovação. Se alguém obtiver uma vacina em um ano,
já terá sido uma façanha. O temerário é querer acelerar
ainda mais pesquisas que já andam em velocidade
jamais vista. Uma coisa é divulgar resultados
preliminares para manter a esperança. Outra é, como
fez Doria, prometer o impossível. Só ao final dos testes
uma vacina estará aprovada.
Ao mesmo tempo, a pandemia trouxe um ingrediente
novo: é preciso investir antes na produção para garantir
acesso rápido depois da aprovação. É por isso que o
Ministério da Saúde acertou em destinar R$ 1,9 bilhão à
fabricação local da candidata da AstraZeneca/Oxford e
R$ 2,5 bilhões ao consórcio Covax, da OMS. Mesmo
sem saber se dará certo. Assim como é louvável o
Butantan se preparar para fabricar 61 milhões de doses
da CoronaVac. Mesmo sem saber se dará certo.
Bolsonaro comete uma barbaridade quando se nega a
ampliar essa iniciativa.
Nem Doria, nem Bolsonaro, nem ninguém pode saber o
que dará certo. Politizar questões científicas já nos