MÍRIAM LEITÃO - A morte, a vacina e o presidente
Banco Central do Brasil
O Globo/Nacional - Economia
quinta-feira, 22 de outubro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas
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Autor: MÍRIAM LEITÃO
Em 2020, estamos morrendo, mas o presidente só
pensa em 2022. É capaz de qualquer ato, o mais
temerário que seja, para realizar seu plano. Ontem foi
um dia em que o Brasil perdeu tempo na nova
desordem criada por Jair Bolsonaro. Ele atacou a China,
o governador João Doria, humilhou o general Pazuello e
fez sua revolta da vacina para agradar sua milícia
digital. O presidente conspira contra a saúde dos
brasileiros para aplacar seus radicais.
Há uma minoria muito estridente nas redes que cobra
dele provas de lealdade. Abraçado a políticos com
dinheiro nas cuecas, com sua família toda enrolada, o
presidente não pode mesmo entregar a promessa de
combate à corrupção. Então ele cria conflitos com a
China, com Doria, com a vacina para provar que
permanece sendo o mesmo. Ele foi cobrado pelo acordo
de intenção assinado com o governo de São Paulo e
por isso deu o seu chilique.
O Instituto Butantan é o maior fornecedor de vacina
para o programa nacional de imunização e tem a
confiança do país. É óbvio que será um dos
fornecedores, caso a vacina desenvolvida na
cooperação com a China passe bem por todo o
processo da Anvisa. Como disse ontem a agência,
existem quatro "protocolos de desenvolvimento vacinai"
correndo na Anvisa e nenhum pedido ainda de registro.
Quando houver, será avaliado tecnicamente. O
presidente da Anvisa, Antonio Barra, procurava palavras
para não sair do roteiro da agência. Barra é o mesmo
que em março foi para uma manifestação contra o
Congresso junto com o presidente, participando de
aglomeração. Recebeu esta semana a aprovação do
Senado e agora tem mandato.
No entorno do presidente a explicação dada pela manhã
foi que Bolsonaro estava dizendo que o governador
Doria havia distorcido o que fora dito por Pazuello na
videoconferência. Doria divulgou o comunicado da
reunião para mostrar o que havia acontecido e que todo
mundo tinha entendido, aliás. Uma intenção de compra
caso a vacina seja aprovada e tenha registro.
Inventando uma briga inexistente, Bolsonaro postou que
qualquer vacina deverá ser comprovada cientificamente
e aprovada pela Ânvisa. Mas fez isso escrevendo em
caixa alta: "A vacina chinesa de João Doria." E conclui
que não vai comprar a vacina. Depois usou a palavra
"traição" e era em relação ao ministro da Saúde.
Ao atacar Doria, ele está tentando enfraquecer um
suposto adversário de 2022. Ao fazer sucessivas
referências depreciativas à China, ele estigmatiza o
país. Mas mais do que isso : Bolsonaro agride nosso
principal parceiro comercial e investidor estratégico. Não
ganhamos nada em tomarmos partido na nova guerra
fria. O interesse americano nessa briga não é o nosso
interesse.
A embaixada chinesa já havia soltado uma nota na
terça-feira para rebater as acusações do secretário
americano, Mike Pompeo, e do conselheiro de
Segurança Nacional, Robert 0Brien, de que a China
seria uma ameaça ao Brasil. No trecho mais duro contra
os americanos, os chineses disseram que os EUA