ZEINA LATIF - Sem meias
Banco Central do Brasil
O Estado de S. Paulo/Nacional - Economia
quinta-feira, 22 de outubro de 2020
Banco Central - Perfil 1 - IPCA
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Faz parte da nossa cultura buscar sempre um lado
positivo em tudo. Temos baixa tolerância a más
notícias. Não é incomum os noticiários na televisão
terminarem a edição com algum assunto ameno,
provavelmente para não perder audiência.
É possível que esse traço cultural atrapalhe o
enfrentamento de problemas. Ao negá-los ou atenuá-
los, a busca por soluções tende a ser protelada. A
reforma da Previdência saiu porque paramos de dourar
a pílula.
O momento atual pede o enfrentamento da dura
realidade fiscal, que se agravou. A recomendação de
muitos de fazer tudo que fosse possível na pandemia,
sem se preocupar com a qualidade e calibragem dos
gastos, foi imprudente. Gastamos muito em comparação
aos emergentes e não tão bem, como já discutido em
outro artigo.
A PEC do orçamento de guerra poderia ter incluído a
possibilidade de redução de jornada e vencimentos do
funcionalismo, que tem estabilidade. De acordo com o
IBGE, foi o grupo que mais reduziu as horas
trabalhadas na pandemia. Em julho e agosto, elas foram
em média 75% do habitual, ante 85% no setor privado e
81% nos informais.
Foram transferidos em torno de R$125 bilhões aos
Estados, entre recursos diretos e suspensão de dívidas.
No entanto, as contrapartidas exigidas foram tímidas. O
congelamento de salários do funcionalismo por um ano
e meio é muito pouco, até porque muitos Estados já
haviam feito reajustes este ano.
A pandemia anestesiou os problemas nas finanças dos
Estados, pois os pagamentos de serviço da dívida à
União foram suspensos, o auxílio emergencial puxou a
volta da arrecadação (+5,5% em setembro na variação
anual) e a transferência de recursos da União ajudou a
honrar a folha. Os problemas voltam todos em 2021.
Não por outra razão, a Câmara está propondo um novo
projeto de socorro a Estados e municípios. Será crucial
inserir boas contrapartidas e garantir sua manutenção,
diferentemente do que ocorreu no acordo de 2016,
quando a maioria foi derrubada no Congresso, como a
suspensão de ajustes salariais e a redução de
incentivos tributários (representam em média 17% da
receita do ICMS). Ficou apenas o estabelecimento de
uma regra do teto por dois anos, sem que instrumentos
para seu cumprimento fossem previstos. O teto não foi
atendido por 11 Estados e outros 9 não assinaram o
aditivo. Para inglês ver?
As regras atuais que regem os orçamentos estaduais
dificultam e até inviabilizam o cumprimento do teto,
como aponta Cristiane Alkmin, pois geram crescimento
automático das despesas obrigatórias. É o caso dos
gastos com a folha de ativos e inativos, as vinculações
de gastos de saúde e educação à receita corrente
líquida (e não à variação do IPCA, que corrige o teto) e
o piso do magistério (204% de ajuste desde 2009 ante
uma inflação de 83%).
As contrapartidas são essenciais, portanto, inclusive
para fortalecer politicamente o ajuste fiscal de