DEZEMBRO 2020. EXAME. 25
À distância
“A nossa vontade era
deixar as pessoas
o mais à vontade
possível para
escolherem onde
querem estar
a trabalhar,” frisa
Francisca Matos,
Talent Director
na Talkdesk
“VAMOS
PERDER UMA
OPORTUNIDADE
PARA PLANEAR
O FUTURO”
Maria João Valente Rosa teme
que não aproveitemos esta crise
criar um sistema de acompanhamento para perceber
como cada um estava a lidar com o trabalho remoto.
Mas para Vítor Antunes, Managing Director da
Manpower Portugal, a grande alteração vai passar pelo
facto de as organizações deixarem de estar assentes no
conceito de estabilidade e passarem a estar centradas
na agilidade e numa cultura de aprendizagem. E isto
vai recair sobretudo nos líderes, que terão como mis-
são conduzir as empresas sob estas novas traves-mes-
tras. “É óbvio que ambição, resiliência, visão e adap-
tabilidade são competências que procuramos sempre
em alguém que ocupe cargos de liderança. Mas depois
existem as competências que se podem desenvolver,
e estas devem estar centradas naquilo que agora se
torna ainda mais importante: as pessoas, o desem-
penho e o propósito”, considera. “É preciso ouvir as
pessoas e desenvolver as suas competências para irem
ao encontro não só daquilo que a organização precisa
mas também daquilo que elas próprias pretendem. É
preciso, em relação ao propósito, ter uma visão para a
organização que oriente os membros, mesmo quando
não estejam com o líder – o que se torna mais regular
em tempos de teletrabalho. Portanto, ganha importân-
cia saber delegar, saber confiar, pedir feedback e agir
com base nesse feedback”, indica ainda Vítor Antunes.
Um dos temas mais falados durante esta mesa-re-
donda foi, precisamente, o possível desaparecimento
de várias funções – não apenas por conta da aceleração
provocada pela pandemia mas também do surgimento
e afirmação das novas tecnologias, nomeadamente da
Inteligência Artificial, que vai ajudar à realização de
muitas tarefas mais mecânicas e à prossecução efetiva
do desenvolvimento de outras valências por parte dos
trabalhadores, como a hospitalidade, a capacidade de
gestão e a criatividade, defende Vítor Antunes. No mes-
mo sentido, a empatia e a capacidade de se colocar no
lugar do outro podem ser trunfos nestes novos tempos
que se avizinham. Numa altura em que parece claro
que já é impossível travar este comboio em andamen-
to – ou, nas palavras de Francisca Matos, as empresas
estão “a construir um avião que está em pleno voo” –,
a verdade é que parece que ainda falta planeamento a
médio e a longo prazos, admitiram por unanimidade.
Em resumo: todos apontam para um acelerar de
processos que há anos se vinham a revelar necessá-
rios nas organizações e que agora foram fortemente
impulsionados pela rapidez com que foi preciso agir.
Isto obrigará, a partir de agora, a contar com equipas
mais flexíveis, adaptáveis e com lideranças seguras,
capazes de delegar responsabilidades e de olhar para
o futuro enquanto se lida com o presente. A formação
ao longo da vida parece ser uma inevitabilidade – tal
como um regime laboral mais flexível e adaptado ao
que é a diversidade, inclusivamente geracional, que
compõe o tecido laboral do País. E
COM O APOIO
N OVO M U N DO
“Todo o nosso modelo de funcionamento do
trabalho vem da primeira Revolução Industri-
al. Estamos agora na quarta... Não podemos
continuar a esticar o que se fazia no passado.
Se continuarmos a achar que, quando tudo
isto passar, voltaremos ao passado, vamos
perder uma oportunidade para planear o pre-
sente e o futuro”, afirmou a demógrafa Maria
João Valente Rosa, durante o segundo painel
da iniciativa O Futuro do Trabalho. Isso pode
significar mais flexibilidade mas também
maior responsabilidade individual. “Já não
somos avaliados pelo número de horas que
estamos no trabalho, mas pelo resultado.”
DESIGUALDADE
No entanto, a pandemia também põe a nu
as desigualdades existentes na sociedade
portuguesa. “Mesmo nos casos de tele-
trabalho, nem todos estão em situações
idênticas. Há pessoas com locais de maior
conforto, mais espaço, melhores condições
de trabalho, e outras nem tanto”, sublinhou
a antiga diretora da Pordata. Isso é ainda
mais preocupante num País onde “a mo-
bilidade social já é bastante baixa. Temos
uma cola social forte. Estamos colados ao
sítio onde nascemos. Esses pisos de baixo
tornam-se agora ainda mais pegajosos”.
CARREIRA PARA A VIDA?
A ideia de uma única carreira para
a vida pode ter morrido? “Cada vez
mais percebemos que um emprego
para a vida é mais difícil de ser algo
garantido. Provavelmente, vamos ter
múltiplas carreiras”, antecipa Valente
Rosa. Continuaremos a formar-nos nas
áreas que nos dizem mais, mas talvez
não possamos ficar para sempre aí
integrados. “Quando andei na escola,
ninguém falou da internet. Hoje, vivo
num mundo totalmente diferente.”