18 Le Monde Diplomatique Brasil^ DEZEMBRO 2020
interessar pelos países africanos de
língua francesa, respondendo aos
editais”, conta Prosper.
Os países de colonização inglesa
parecem em melhor situação: Nigé-
ria, Quênia e África do Sul contam
com dezenas de unidades de produ-
ção que atendem ao mercado local e,
às vezes, exportam para outros paí-
ses do continente. A África oriental e
a África meridional podem até ser
consideradas pioneiras na produção
em larga escala. Nas décadas de 1930
e 1940, o Reino Unido, então potência
colonial, instalou nesses países, as-
sim como no Zimbábue, as bases de
retaguarda de seus produtores
farmacêuticos.
Muito mais tarde, nos anos 1990-
2000, a pandemia de aids foi um in-
centivo para o desenvolvimento da
indústria local. A África do Sul deci-
diu então permitir importações pa-
ralelas de medicamentos oriundos de
países que os vendiam a um preço
mais barato, bem como difundir os
tratamentos genéricos. Na época, a
norte-americana Bristol-Myers Squi-
bb, a britânica GlaxoSmithKline e a
alemã Boehringer Ingelheim deti-
nham as licenças dos antirretrovi-
rais. Com o apoio de cerca de trinta
das maiores companhias farmacêu-
ticas do mundo, elas tentaram pro-
cessar o governo sul-africano por
violar as regras de propriedade inte-
lectual perante o órgão de regulação
de disputas da Organização Mundial
do Comércio (OMC). A pressão exer-
cida pelas associações de pacientes e
a decisão da empresa indiana Cipla
de comercializar os antirretrovirais a
preços baixos, em setembro de 2000,
acabaram vencendo a resistência da
“Big Pharma”, que abandonou os pro-
cessos e deixou os genéricos se
desenvolverem.^13
As regras atuais da OMC liberam
os países africanos menos desenvol-
vidos^14 do pagamento de licenças far-
macêuticas até 2033, e o Acordo sobre
os Aspectos dos Direitos de Proprie-
dade Intelectual Relacionados ao Co-
mércio (Adpic) concede diversas isen-
ções – as “f lexibilidades Adpic” – que
beneficiam os demais. Em 2003, a As-
pen, fabricante sul-africana de medi-
camentos genéricos fundada em 1850,
obteve o direito de produzir versões
genéricas de antirretrovirais. “O cus-
to dessas terapias não passa de mais
de US$ 100 ao ano”, explica Neil Brad-
ford, diretor da Cipla Quality Chemi-
cal Industries em Kampala (Uganda).
“E isso constitui uma mudança enor-
me se comparado com a época em
que cada paciente tinha de pagar US$
16 mil para se tratar.” Foi o próprio go-
verno de Kampala que propôs à india-
na Cipla instalar uma fábrica em
Uganda para produzir antirretrovi-
rais diretamente, associando-se à em-
Combate à Aids, Tuberculose e Malá-
ria, criado pelo ex-secretário-geral da
Organização das Nações Unidas
(ONU) Kofi Annan, cujo orçamento
chegou a US$ 2 bilhões em 2019. Essas
organizações obviamente exigem
respeito às normas da OMS, mas, em
razão dos custos, apenas algumas
unidades de fabricação subsaarianas
conseguem a certificação. “Tanto a
fábrica quanto os produtos precisam
ser certificados pela OMS”, destaca
Neil Bradford. “Muitos produtores na
África, porém, fabricam apenas um
ou dois produtos: é pouco para fazer
os investimentos necessários.”
As multinacionais que detêm os
direitos dos medicamentos originais
não genéricos (medicamentos de re-
ferência) buscam agora coexistir com
os fabricantes de genéricos que
atuam no continente. “Elas percebe-
ram que é inútil lutar para fazer valer
suas patentes em países onde, de
qualquer forma, os lucros são baixos:
a África representa uma porcenta-
gem muito pequena do mercado to-
tal”, explica Denis Broun, assessor do
presidente da Cipla. “Além disso, elas
são obrigadas a praticar preços bai-
presa local Quality Chemicals Limi-
ted. A empresa fornece tratamento a
700 mil pessoas soropositivas, do 1,
milhão que vivem no país.
O setor farmacêutico africano de-
senvolve-se sobretudo por meio de
parcerias com empresas indianas:
Sun Pharma-Ranbaxy na Nigéria, Ca-
dila na Etiópia, Cipla em Uganda. Im-
pulsionada pelo dinamismo do sul, o
oeste do continente acompanha o
movimento. Assim, a Strides Pharma
Science Limited, que começou como
uma exportadora de genéricos pro-
duzidos em sua fábrica de Bangalore,
criou, por meio de parceria com em-
presários locais, unidades de distri-
buição e embalagem em Botswana e
na Namíbia, antes de vender suas
ações a outra empresa indiana, a
Africure, em 2017. No ano seguinte, a
Africure abriu sua primeira fábrica
africana de produção de genéricos
em Camarões, e depois outra na Cos-
ta do Marfim. Ela planeja instalar-se
em Burkina Faso, na Etiópia e no
Zimbábue.
Poucas são as indústrias pura-
mente locais. A Pharmivoire Nouvelle,
um exemplo delas na Costa do Mar-
fim, era o único produtor de soluções
injetáveis da África ocidental de lín-
gua francesa quando um incêndio in-
terrompeu sua expansão, em 2018. Em
2003, a farmacêutica Gisèle Etamé
fundou, em Camarões, o laboratório
Genemark, que produz medicamen-
tos genéricos, xaropes e comprimidos.
Esses novos produtores parecem estar
mais bem equipados, certificados pe-
la OMS ou em via de ser; eles têm um
papel cada vez mais importante no
surgimento de mercados regionais.
As companhias do setor depen-
dem de fornecedores indianos para
obter os princípios ativos, ou da Chi-
na para a química fina. Os custos de
abastecimento tornam os produtos
pouco competitivos em relação às im-
portações extracontinentais de medi-
camentos acabados.^15 Além disso, os
novos genéricos não seriam lucrati-
vos sem as grandes encomendas fei-
tas por meio de editais pelas grandes
organizações humanitárias de saúde
surgidas na década de 2000: a Aliança
Global para Vacinas e Imunização
(Gavi), criada pela Fundação Bill e
Melinda Gates como parceria públi-
co-privada, ou o Fundo Global de
© Luc Gnago
Venda de drogas falsas e ilegais nas ruas de Abidjã, a maior cidade da Costa do Marfim
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