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Revista Carta Capital/Nacional - Colunistas
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas

Não só a acusação me parece desproporcional, mas a
forma como Raquel foi expulsa da Mandata demonstra
como, às vezes, nosso campo tem problemas com o
respeito às normas democráticas. Muitos de nós
gostamos da formulação dos mandatos coletivos por
eles representarem práticas políticas mais
democráticas, mais integradoras, mais participativas. A
coletividade precisa, no entanto, ser levada até as
últimas consequências. Raquel foi afastada de um
mandato para o qual ela tinha sido votada, de forma
unilateral, sem ser incluída no debate sobre sua
expulsão. Milhares de votos depositados nela não foram
respeitados. O debate, o direito de defesa e o sagrado
princípio do dissenso não foram respeitados. Se a gente
não for capaz de construir, de forma radical, um projeto
político coletivo, lidando com os conflitos, com as
divergências, com os desacordos, então estamos muito
longe daquilo que dizemos representar. Cancelar,
excluir por decreto, anular sem direito de defensa quem
sempre lutou do nosso lado, não me parece o melhor
caminho.



  1. Maternidade e infância


Finalmente, outro ponto essencial neste debate sobre
equívocos e ausências. Sejamos sinceros. A esquerda
não representa as mães. A esquerda não representa as
crianças. São pautas que não ganham eleições, que
não ocupam os espaços centrais dos programas nem os
discursos dos debates entre candidatos. Se a esquerda
e o feminismo não colocarem no centro de sua agenda
a questão da maternidade e a infância, continuaremos
sem representá-los e vamos perder milhões de
mulheres às quais depois chamaremos de burras
porque apoiam uma agenda de direita que fala sobre
infância e família. Nas pesquisas que desenvolvo com
Camila Rocha, nas quais temos entrevistado muitas
mães periféricas, é uma reclamação comum o
abandono que elas, enquanto mães, sentem. Em muitas
ocasiões ouvimos criticarem um feminismo e uma
esquerda que, segundo a sua percepção, não se
preocupam como a maternidade como elas gostariam e
como elas precisam.


Bem, temos duas opções: desconsiderar a posição
dessas mulheres e pensar que elas estão equivocadas,
pois a gente luta, mas elas são ignorantes e não
entendem que somos seus legítimos representantes, ou
podemos escutar. Escutar que elas, enquanto mães, se
sentem excluídas. Escutar que elas sentem que seus
filhos são excluídos de nossas pautas. Escutar que elas,
durante a pandemia, estão, estamos, esgotadas, no
nosso limite, desassistidas no pior dos mundos.

Eu sou da opinião de que a esquerda deve assumir a
pauta da maternidade e da infância com total potência e
centralidade. Vivemos num país de milhões de mães
solo, de milhões de crianças vulneráveis. Se a gente
não falar de família, não estranhem que, depois, a
direita que fala sobre família conquiste esses votos. A
gente pode continuar a pensar que elas não sabem
votar e nós estamos certos. Ou podemos escutar. E
mudar.

Assuntos e Palavras-Chave: Cenário Político-
Econômico - Colunistas
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