EDIÇÃO 300
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O mês de outubro de 2019 corria para o final quando a Google
anunciou ter alcançado, pela primeira vez na História, a supremacia
quântica. Ninguém nega o feito histórico – mas quase todos lembram
que o significado prático é diminuto. Até porque, mesmo que os
cálculos fossem executados por computadores clássicos, o problema
teórico que foi resolvido pouco ou nada acrescentou à vida real. O
que não impediu a apresentação de números avassaladores: em
200 segundos, o computador quântico da Google resolveu um
problema que o melhor supercomputador poderia demorar 10 mil
anos a resolver. A primeira “vitória” está garantida – mas há um longo
percurso a fazer até que a lógica binária de “zeros” e “uns”, que tem
dominado a informática convencional, possa ser alternada pela
lógica de “zeros” que também podem ser “uns” dos computadores
quânticos. Google, IBM e D-Wave são provavelmente os principais
protagonistas do momento. A evolução segue através de duas
famílias tecnológicas: os sistemas de Porta Lógica Quântica e os
sistemas de annealing (têmpera ou recozimento). Em ambos os
casos são usados chips do tamanho de uma unha, envoltos em
sistemas de refrigeração volumosos que garantem temperaturas
próximas do zero absoluto (273 graus negativos). “Vai levar anos
ou até décadas até termos sistemas com milhões de qubits”, refere
Yasser Omar, professor do Instituto Superior Técnico e investigador
do Instituto de Telecomunicações. O especialista, que lidera hoje
alguns projetos europeus na área, aponta como principal desafio o
desenvolvimento de computadores quânticos que resistem ao ruído
ambiente, preferindo não fazer previsões quanto ao aparecimento de
dispositivos portáteis: “É difícil prever, mas se houver necessidade
não será impossível que se evolua nesse caminho”. Em paralelo com a
computação, terá de ser desenvolvida uma Internet Quântica, capaz
de transmitir qubits. Uma missão que também é de monta: falta
criar várias camadas de software e protocolos que permitam ligar
máquinas e nós de rede. Uma coisa é certa: essa futura Net vai usar
fotónica. O que exige cabos de fibra ótica ou laser, na versão sem fios.
“Além de transmitir bits quânticos, esta Internet tem a vantagem de
gerar comunicações cifradas”, conclui Yasser Omar. H.S.
Tirando casos lendários, a vida terá
sempre um único final – mas se
depender de algumas iniciativas que
já começaram a ser desenvolvidas, é
bem possível que, em breve, passe a ter
dois começos: o começo engendrado
pela Natureza, e um segundo começo,
depois da morte, que funciona
apenas no plano digital, com chatbots
baseados em redes neuronais e
inteligência artificial, que processam
informação a partir de repositórios de
dados individuais, na hora de comunicar
com humanos. Tudo isto com base na
proliferação de mensagens, textos,
posts, registos comerciais, vídeos ou
fotos em suporte digital que poderão
funcionar como substrato para uma
réplica virtual criada "à imagem" e
alegadamente com uma personalidade
similar à de alguém que faleceu.
Eternime e Replika são possivelmente
os dois projetos empresariais mais
conhecidos nesta área. O primeiro foi
desenvolvido por um romeno radicado
nos EUA, enquanto o segundo tem
sede na Rússia. Em ambos os casos, os
dados recolhidos pelos telemóveis são
usados para gerar uma personalidade
à medida da pessoa que se pretende
replicar. Ainda que permitam manter
uma conversação, estes projetos têm
sido comparados a meros “vultos”
simplificados da personalidade e da
experiência pessoal – o que não impediu
os primeiros alertas sobre potenciais
fraudes que poderão acontecer,
caso estes chatbots sejam usados
para se fazerem passar por pessoas
mortas (ou vivas). O desenvolvimento
de interfaces com o corpo humano,
que extraem dados relacionados com
sensações, sentimentos ou memórias,
promete exponenciar a precisão das
réplicas virtuais. A aplicação deverá
começar por se centrar em memórias
virtuais para museus, monumentos,
mausoléus ou álbuns familiares de
nova geração, mas, pelo menos
em teoria, será possível imaginar
também o uso em robôs. Ou então no
desenvolvimento de backups prontos
a serem descarregados para pacientes
de demências – ou, se a ciência assim
permitir, até em corpos que já foram
sujeitos a processos de criogenia,
na esperança de que um dia possam
regressar à vida. H.S.
A QUÂNTICA EXPLICA
A VIDA REPLICADA