«ESTAMOS
NA IDADE DA PEDRA
DA REVOLUÇÃO
DIGITAL»
Através das fake news e com o apoio
da análise de dados, da inteligência
artificial e de outras técnicas
experimentais e computacionais,
esta investigadora quer estudar
o comportamento humano. A sua
investigação recebeu uma bolsa de
cinco anos no valor de 1,5 milhões
de euros do prestigiado Conselho
Europeu de Investigação (ERC).
JOANA GONÇALVES DE SÁ
PROFESSORA E COORDENADORA DO GRUPO
DE INVESTIGAÇÃO EM DATA SCIENCE
& POLICY, NA NOVA SBE
Joana Gonçalves de Sá é licenciada em Engenharia Física
Tecnológica pelo Instituto Superior Técnico e doutorada em Biologia
de Sistemas da Universidade Nova – ITQB, tendo desenvolvido a sua tese
na Universidade de Harvard. Foi investigadora principal no Instituto
Gulbenkian de Ciência e hoje coordena grupo de investigação em Data
Science & Policy da Nova SBE.
O seu projecto ‘Fake News and Real People – Using Big Data to Understand
Human Behaviour’ é uma investigação multidisciplinar que utiliza análise
de dados e aprendizagem automática para estudar problemas complexos
com o apoio da Biomedicina, Computação, Política, Ciências Sociais
e Matemática, e a sua aplicação no comportamento humano, na tomada
de decisões e na relação com as notícias falsas.
«A chamada revolução digital e a quantidade de informação gerada pela
nossa actividade online está a dar-nos, pela primeira vez, a possibilidade
de estudar o comportamento humano a uma escala quase universal.
Mas este recente aumento da actividade online, aliado à baixa alfabetização
digital, identificação individual de consumidores e os grandes lucros
com as receitas de anúncios online, criaram uma tempestade perfeita
para a epidemia das ditas notícias falsas, com consequências ainda
desconhecidas», afirmou a investigadora, na altura da atribuição
da bolsa do ERC ao seu trabalho.
Se é possível ver o fenómeno das fake news como uma epidemia
ou mesmo uma pandemia, dada a sua dimensão global, será que podemos
trabalhá-las como um vírus?: «Se as notícias falsas se espalham nas redes
sociais, como um agente infeccioso numa comunidade, poderemos usar
os modelos matemáticos da epidemiologia para estudar estes processos
de difusão? E, nesse caso, iremos encontrar também diferentes níveis
de infecciosidade do vírus, de sensibilidade ao contágio? Este é o ponto
de partida da investigação», esclareceu Joana Gonçalves
de Sá em entrevista ao Jornal de Negócio, quando ainda não
se falava em COVID-19.
Um estudo do Massachusetts Institute of Technology (MIT) revelou
que as fake news se espalham mais rápido, chegam a mais pessoas,
mantêm-se na rede durante mais tempo, e têm um tempo de vida muito
mais longo nas redes sociais, sobrepondo-se às notícias reais. E mais:
esta disseminação é feita pelas pessoas – e não por ‘bots’, como
se acreditava –, que tendem a partilhá-las com mais frequência quanto
mais chocantes, surpreendentes e repugnantes estas notícias falsas forem.
Outro estudo, desta vez de Yale, e referido pela investigadora numa
entrevista à SIC, sugere que as pessoas acreditam nas fake news por
preguiça mental e não porque estão de acordo com o que elas pensam.
Joana Sá explica que o nosso cérebro tem um sistema mais rápido,
automático e intuitivo e outro mais lento, analítico e que nos proporciona
um espírito crítico. Quando estamos nas redes sociais, indica
a especialista, temos o sistema da reflexão desligado, «queremos
descansar». Somos mais passivos, acreditamos no que lemos mais
que defendemos as nossas convicções.
Ao traçar um paralelo entre a Revolução Digital e a Industrial,
a investigadora lembra que a segunda nos trouxe a electricidade,
os transportes públicos, a televisão e todas as coisas que queremos
e não vamos deixar de ter, mas foi também, no início, um período muito
negro da história, com a exploração do trabalho infantil e do trabalho
em geral. «Foi fundamental criar uma legislação e sistemas para garantir
o seu cumprimento. Neste momento, não estamos num vazio legal, mas
estamos muito longe do nível de regulação de que precisamos no universo
digital. E isso não vai acontecer enquanto não houver do lado da sociedade
uma espécie de despertar colectivo», sublinha. Estamos na Idade da Pedra
da Revolução Digital. «Daqui a vinte anos, se tudo correr bem, vamos
olhar para este período e pensar que foi um horror o que se passou
e tudo aquilo que foi permitido», conclui.
16 PB
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03 HIGH-TECH GIRL
MARIZA FIGUEIREDO