Exame Informatica - Janeiro 2021

(NONE2021) #1
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O


ambiente entre os três maio-
res operadores de teleco-
municações – Altice, Nos e
Vodafone – e a Autoridade
Nacional de Comunicações (Anacom)
está crispado. Em causa está o regula-
mento do leilão para a atribuição de di-
reitos de utilização de frequências (DUF)
para a quinta geração de redes móveis
(5G), publicado no início de novembro.
Na prática, este é o documento que define
as regras de como é feita a atribuição de
espectro de radiofrequência – processo
que está ainda a decorrer – para que os
operadores de telecomunicações possam
lançar serviços comerciais de 5G. E os
operadores têm feito duras críticas a re-
gras específicas definidas pela Anacom.
A Exame Informática contactou os três
operadores que manifestaram publica-
mente desagrado pelo regulamento. A
Altice escolheu não responder, referindo
que já fez os comentários que tinha a
fazer e remeteu para os vários comu-
nicados emitidos nas últimas semanas.
A Vodafone também não respondeu às
questões feitas, enviando antes uma de-
claração na qual diz que “há aspetos do
regulamento que (...) deveriam ser alvo
de revisão” e que conta com a providên-
cia cautelar (feita no Tribunal Adminis-
trativo de Lisboa; também a Altice e a Nos
avançaram com providências cautelares
contra o regulamento) para “promover
as alterações necessárias” no processo do
leilão. Só a Nos respondeu às questões.

MAIS CONCORRÊNCIA
No dossiê 5G há vários pontos de discór-
dia entre operadores e regulador. Como
o caso Dense Air: a empresa detém, até
2025, licença para explorar o espectro
na faixa dos 3,6 GHz, atribuída antes de
ficar definido, a nível internacional, que
esta faixa ficaria alocada às redes 5G; a
licença, concedida em 2010, deveria ter
sido revogada pela Anacom, defendem a
Altice, Nos e Vodafone – já o regulador
manteve a licença. Mas recentemente o
foco da discussão tem sido outro. Os ope-
radores têm criticado as regras definidas
para a entrada de novos fornecedores de
serviços de telecomunicações (chamados
de novos entrantes) em Portugal. A Nos,
liderada por Miguel Almeida, defende
que o regulamento atual garante aos en-
trantes “o direito à reserva de espectro,
sem que haja a exigência de contrapar-
tidas ou obrigações de investimento sé-
rias, (...) nomeadamente de investimento
em rede ou cobertura de população”.

A Anacom, presidida por João Cadete
de Matos, responde ao afirmar que os
novos entrantes terão sempre de fazer
investimentos – quanto dependerá do
modelo de negócio a explorar – para con-
correrem no mercado português. E que
mesmo que optem apenas pelo investi-
mento de espectro na faixa dos 700 MHz
(ideal para serviços de carros conecta-
dos, p.ex.), neste caso “têm obrigações
de cobertura de 25% das autoestradas,
dos itinerários principais rodoviários, e
dos itinerários ferroviários incluídos no
Corredor Atlântico, relativo ao território
nacional, da ligação Braga-Lisboa, da li-
gação Lisboa-Faro e das ligações urbanas
e suburbanas de Lisboa e Porto”.

PARTILHA DE REDES
Outro elemento que tem sido alvo de
protestos pelos operadores é a chamada
itinerância (roaming) nacional [aceder
à cobertura de antena de um operador
concorrente], que obriga à partilha de
rede por parte da Nos, Vodafone e Al-
tice com os novos entrantes, através
de acordos com a duração de dez anos,
independentemente da quantidade de
espectro que tenham comprado. Sobre
este elemento, a Nos considera que a
regra viola “o princípio da igualdade e
da proteção da propriedade privada”.
A operadora classifica de “acesso in-
discriminado” o que poderá ser feito via
roaming nacional, o que “constitui uma
verdadeira expropriação da propriedade
e dos investimentos de operadores feitos
no nosso País há mais de 20 anos”. A
Nos diz que estas regras deveriam estar
sujeitas a uma análise de mercado e a
uma análise de impacto das medidas,
“porque são causadoras de distorção da
concorrência”. Neste caso, a Anacom
defende-se ao explicar que mediante
os acordos de roaming nacional, os en-
trantes têm obrigações de cobertura da
população, de 25% e 50%, em três e seis
anos, respetivamente, depois de assina-
rem os acordos com os operadores, com
as frequências que lhes foram atribuídas.
Mas na visão da Anacom, as regras e
obrigações para os entrantes foram fei-
tas tendo em conta o princípio da “pro-
porcionalidade” e são mecanismos que
o regulador considera essenciais para
criar maior concorrência no setor das
telecomunicações em Portugal. “Temos
evidência de uma reduzida dinâmica
concorrencial grossista e retalhista. Por
isso estamos a atuar”, refere a Anacom
em resposta à Exame Informática. O regu-

lador cita a “aproximação entre os preços
retalhistas e grossistas” dos três operado-
res com rede própria e como as “ofertas
são semelhantes”. “Estamos perante um
mercado muito maduro em que já estão
presentes grandes empresas, pelo que
as condições fixadas (designadamen-
te a reserva de espectro) não conferem
quaisquer vantagens a novos entrantes,
apenas lhe permitem ultrapassar as des-
vantagens a que naturalmente já estão
sujeitos. Além disso, novas operações
dependerão inevitavelmente dos acordos
que estabelecerem com os operadores
já instalados (é por isso que também se
estão a impor obrigações de acesso à
rede)”. A Nos rebate a ideia e considera
que as regras para os novos entrantes não
têm “qualquer lógica de investimento
prévio por parte de quem entra”, nem
“qualquer lógica de reciprocidade”. São
muitos mais os argumentos de parte a
parte, mas não cabem todos aqui.

“CONSEQUÊNCIAS FUNESTAS”
Quanto às providências cautelares movi-
das pelos operadores contra, a Anacom
diz aguardar “com tranquilidade” a deci-
são dos tribunais e deixa um aviso. “Não
vemos razões que justifiquem alterar o
regulamento, o que teria um forte im-
pacto no calendário definido, uma vez
que tal implicaria reiniciar o processo
de consulta pública e o processo decisó-
rio”. O regulador lembra que houve uma
consulta pública prévia ao regulamento,
com mais de 500 contributos.
Se não houver mais derrapagens, “os
direitos de utilização de frequências se-
rão atribuídos no primeiro trimestre de
2021”, adianta a Anacom. De salientar
que era objetivo do Governo ter duas
cidades com redes 5G em 2020, com a
Comissão Europeia a traçar como objeti-
vo pelo menos uma cidade, por país, com
5G no ano que agora termina. Em Portu-
gal, o processo atrasou com a pandemia.
Quanto a este tópico, a Nos defende
que seria “francamente preferível um
novo processo de atribuição de licenças
5G expurgado de ilegalidades a manter
um processo (e calendário) com conse-
quências funestas para o País”. O regu-
lamento atual “terá como consequência
direta a redução drástica do investimen-
to” por parte dos operadores e, poten-
cialmente, de empresa estrangeiras.
A 16 de dezembro [fecho desta edição],
o Governo disse estar do lado do regula-
mento e estava já concluída a admissão e
exclusão de candidatos ao leilão.
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