National Geographic - Portugal - Edição 240 (2021-03)

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translúcidas de cinco milímetros e aspecto vulne-
rável. Entre a perseguição de presas e fi ntas a peixes
e aves marinhas, passam por um período de meta-
morfose de quarenta dias para se transformarem em
juvenis já com o aspecto típico que conhecemos da
sardinha. De corpo alongado e subcilíndrico como
um submarino e escamas no dorso e no ventre que
relembram uma cota de malha, este animal forma
densas nuvens de prata que ocupam uma posição
decisiva na teia alimentar do oceano.
Atingem o estado adulto entre o primeiro e o
segundo ano de existência, altura em que se repro-
duzem pela primeira vez. Embora consigam viver
14 anos e atinjam 27 centímetros de comprimento,
na costa portuguesa são mais comuns as sardinhas
jovens com um máximo de 7 anos e 22 centímetros.
Classifi cada como pouco preocupante pela União
Mundial para a Conservação da Natureza, esta
espécie precisa, porém, de continuar a nadar pela
vida se quiser manter este estatuto.
O segredo que faz da sardinha um maná tão
precioso da celebrada dieta mediterrânea é a sua
gordura que vai muito além do paladar aprazível.
Rica em ácidos gordos polinsaturados de cadeia
longa do tipo ómega 3, nomeadamente o EPA e o
DHA, que se acumulam no músculo e em redor das
vísceras, representa uma fonte de benefícios para
aqueles que a consomem.
Apesar de estudos recentes da Associação Ame-
ricana de Cardiologia terem desmitifi cado a sua
suposta efi cácia contra doenças cardiovasculares,
a lista de atributos terapêuticos destes agentes pro-
motores de bem-estar mantém-se robusta e reco-
mendável. Da redução do colesterol e da pressão
arterial ao reforço do sistema imunitário, passando
pela prevenção de doenças crónicas como a doença
infl amatória do intestino e a artrite reumatóide,
estes ácidos desempenham ainda funções funda-
mentais no nosso cérebro. A redução do risco de
doenças psiquiátricas como a esquizofrenia, e de
doenças neurodegenerativas como o Alzheimer,
estão entre os exemplos mais importantes. Face
a tamanha dádiva da natureza, é legítimo afi rmar
que comer sardinha é o equivalente a tomar com-
primidos de saúde.

APÓS DESENHAR uma circunferência a todo o vapor,
deixando para trás um rasto de rede gigantesco com
trezentos metros de comprimento por noventa de
altura, a traineira volta ao ponto de partida onde
a chata, o seu barco de apoio, aguarda para fechar
a armadilha. É uma dança de precisão e de gesos
mil vezes repetidos por gerações de pescadores.

Como todos os tesouros, também a sardinha
precisa de ser cuidada e protegida. No entanto, a
turbulência das últimas décadas fez soar os alarmes
da comunidade científi ca. Segundo o presidente do
Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA),
Miguel Miranda, a captura e o consumo excessivo
deste animal, aliado aos seus ciclos de abundância
irregulares, podem ameaçar a imagem de fartura a
que tanto estamos habituados durante importantes
celebrações, como as festas dos Santos Populares.

CINCO MILHAS NÁUTICAS ao largo do cabo de São
Vicente, a noite quente de ventos calmos e o céu
estrelado não são motivos para aligeirar a expres-
são focada de Fábio Mateus, um jovem pescador,
mestre da traineira Flor de Burgau. Embarquei na
sua companhia com o objectivo de documentar
possíveis evidências da recuperação da população
de sardinha da costa portuguesa. Uma hipótese
que Fábio Mateus, tal como a maioria do sector
piscatório, defende vigorosamente. “É verdade que
passámos por tempos de crise, mas agora o mar
está cheio de sardinha”, conta o mestre, enquanto
manobra a embarcação. A ausência de peixe a bordo
parece destoar destas palavras.
Escassos minutos antes de o Sol espreitar no
horizonte, a viagem que dura desde as duas horas
da madrugada parecia destinada ao fracasso. De
súbito, uma mancha vermelha no monitor do sonar
instala a agitação a bordo. O toque de uma buzina
espalhafatosa desperta a tripulação de seis homens
que dormitavam debaixo do convés e que pronta-
mente se fazem às redes.
A nuvem de gaivotas em alvoroço e os jactos de
água provocados pelo respiração de um grupo de
golfi nhos-roazes são o meu sinal de confi rmação
para entrar na água. Sustendo a respiração e de
câmara na mão, mergulho nas profundezas de um
duelo entre o homem e a natureza. É a admirável
pesca por arte de cerco.
Desde a sua génese que a sardinha está destinada
a um ciclo de vida desafi ante, marcado por uma luta
constante pela sobrevivência. A sua reprodução rea-
liza-se em grande escala: as fêmeas geram cerca de
vinte mil ovos por postura e essa estratégia tem sido
efi caz ao longo de milhares de anos de evolução.
Para a sardinha-europeia (Sardina pilchardus),
tudo começa no interior de um ovo com cerca de
1,5 milímetros de diâmetro que, juntamente com
outros milhões, fl utua ao sabor das correntes marí-
timas do Outono e do Inverno. Após cinco dias
num jogo de sorte com o apetite de predadores,
os resistentes eclodem para dar origem a larvas

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