PABLO ORTELLADO - Eles em nós
Banco Central do Brasil
O Globo/Nacional - Opinião
sábado, 6 de março de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas
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A editora Record acaba de lançar o novo livro de Idelber
Avelar, "Eles em nós", que busca interpretar os
acontecimentos recentes da política brasileira com os
instrumentos da análise retórica.
O maior mérito da obra é examinar os processos
políticos recentes, reconstruindo cuidadosamente os
acontecimentos, de uma perspectiva razoavelmente
distanciada. A posição política do autor, que vem da
esquerda, mas se afasta dela, confere rara
equidistância para tratar criticamente as administrações
petistas e o governo Bolsonaro.
A principal limitação do livro é justamente o que seria a
sua virtude: o uso de categorias da retórica para
explicar os processos políticos. Avelar tem larga
experiência como comentador político, mas preferiu se
apoiar em sua especialidade, como professor de
Literatura, para se lançar neste projeto de interpretação
do Brasil contemporâneo. Os conceitos da retórica às
vezes dificultam, em vez de ajudar a esclarecer as
questões.
Avelar usa, por exemplo, o conceito de oximoro (figura
de linguagem que combina palavras de sentido oposto)
para tratar das contradições do lulismo. Mostra que,
enquanto Lula criticava os ruralistas, tinha Blairo Maggi
como interlocutor; enquanto atacava os meios de
comunicação, ampliava as verbas de publicidade do
governo.
A análise dessas contradições é perspicaz, mas o
recurso à figura do oximoro não as ilumina. Lula não
empregava expressões antinômicas, mas adotava uma
postura ideológica junto à militância, contraditada como
presidente. Se se debruçasse sobre de maneira o
conceito de "governo em disputa", reivindicado pela
militância petista, talvez pudesse entender melhor o
fenômeno.
Avelar caracteriza essa ambivalência como uma forma
de administração dos antagonismos sociais. E é essa
forma de gerenciar os conflitos que teria implodido com
os protestos de junho de 2013. A incapacidade do
sistema político de entender e dar resposta à revolta
teria criado as condições para a emergência de
Bolsonaro, cuja radicalidade antissistêmica daria uma
expressão de ultradireita aos antagonismos represados.
O último capítulo do livro trata da ascensão de
Bolsonaro. Avelar explica sua candidatura a presidente
por meio de uma aliança entre o agronegócio, o
punitivismo policial e judiciário e o evangelismo cristão.
A coalizão teria, no ativismo de internet, uma espécie de
vanguarda digital e seria sacramentada pelo
compromisso liberal de Paulo Guedes.
A enumeração das forças políticas que apoiam
Bolsonaro é bem ponderada, mas a sugestão de que
Bolsonaro tenha costurado uma coalizão política é
pouco amparada em evidências. Tudo indica que
Bolsonaro lançou sua candidatura de maneira
aventureira e foi ganhando o apoio desses setores à
medida que se popularizava.
As explicações de Avelar nem sempre são persuasivas,
mas o livro tem o mérito de fazer as perguntas certas.