Conhecimento Prático Língua Portuguesa e Literatura - Edição 77 (2019-06)

(Antfer) #1
16 | LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA

A investigação e a identifi cação de possíveis
diferenças na fala de homens e mulheres de-
vem considerar as instâncias nas quais são pro-
duzidos os discursos e quais os seus desdobra-
mentos no contexto e no espaço da enunciação.
As alterações semânticas e lexicais que a
enunciação determina precisam ser considera-
das no contexto linguístico em que são produ-
zidas e a partir da visão de mundo da comuni-
dade linguística que as autoriza. (Ver box Uma
Fala Feminina)

OS OLHOS QUE TEMOS
O fato de haver idiomas em que as mulhe-
res usam palavras diferentes para se referir às
mesmas coisas que os homens mostra, para

LÍNGUA VIVA/ Diferenças linguísticas


As formas linguísticas usadas por
homens e mulheres contrastam,
em maior ou menor grau, em
todas as comunidades de fala.
Na língua portuguesa essas dife-
renças são sutis e se manifestam
em nível semântico e morfológico
em casos bem específi cos, como o
uso de diminutivos por parte das
mulheres. Em algumas línguas

indígenas da América do Sul, no
entanto, o fenômeno é bastante
frequente. E pode aparecer nos
níveis fonético-fonológico, morfo-
lógico, lexical e semântico.
De acordo com as pesquisado-
ras Rodriana Dias Coelho Costa
e Christiane Cunha de Oliveira,
do Departamento de Letras da
Universidade Federal de Goiás –

UFG, os padrões de ocorrência do
fenômeno “são observáveis nas
línguas xerente, xavante, gavião e
kauapó, todas elas pertencentes à
Família Jê. Na língua xavante, do
tronco Jê Central, merece desta-
que a diferença formal entre os
morfemas interrogativos e entre
os advérbios de negação, como se
verifi ca no quadro abaixo.

Essas diferenças entre o modo
como os homens e as mulheres
falam, no entanto, não se restrin-
gem apenas às línguas indígenas
e podem ser encontradas também
em idiomas como o japonês. Uma
falante do japonês aprende des-
de cedo que existem palavras,

construções e terminações que
podem ser consideradas femininas
ou masculinas. Por essa razão, é
muito marcante a distinção entre
a fala feminina e a masculina no
idioma japonês. Há palavras e há-
bitos de conversão que são típicos
de um ou de outro gênero. Assim,

as palavras femininas são chama-
das onna kobota, e os hábitos de
conversação femininos, de joseigo,
enquanto as palavras masculinas
e os hábitos de conversação dos
homens são chamados, respec-
tivamente, de otoko kotoba e
danseigo.

além dos aspectos linguísticos, questões que a
gramática não alcança.
A maneira como homens e mulheres com-
portam-se durante a conversação pode revelar,
além de características gramaticais específi cas,
como o uso de vogais e consoantes de pronún-
cia diferentes, todo um código linguístico base-
ado em valores e preconceitos sexistas.
Estudos como o da sociolinguista britânica
Jennifer Coates e da estadunidense Deborah
Tannen demonstram não apenas que homens e
mulheres organizam suas conversações de ma-
neiras diferentes, mas também a forma como
os enunciados são organizados na fala de cada
um dos gêneros. Enquanto os homens constro-
em suas falas de maneira bastante competitiva,

O SEXISMO
Também
conhecido como
discriminação
de gênero, é o
preconceito e/
ou discriminação
baseada no gênero
ou sexo de uma
pessoa. Embora
atinja mais as
mulheres, pode
afetar qualquer
gênero.

1

UMA FALA


FEMININA


XAVANTE


FALA FEMININA FALA MASCULINA TRADUÇÃO
tiha
tiha
madze di
rs
e tiha

mar
niha
mare di
e mar
e niha

“que, o que, a coisa qualquer”
“como, algo”
“não tem, nada?”
“o quê?”
“como?”

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