Conhecimento Prático Língua Portuguesa e Literatura - Edição 77 (2019-06)

(Antfer) #1
dade, isto é, não só aquilo que esperamos, que
nos tranquiliza ou coincide com nossos senti-
dos, mas também o que diverge de nossas in-
terpretações ou visões de mundo”.
Do mesmo modo, em uma comunidade de
leitores, também é preciso dar espaço e tempo
para que, pouco a pouco, todos os alunos sin-
tam-se à vontade para participar da conversa
sobre o texto, de modo que o diálogo não fique
sempre concentrado apenas no professor e
em alguns poucos alunos, detentores das “me-
lhores respostas”. Por outro lado, não se trata
de deixar que a interpretação fique apoiada
apenas no desfrute dos aspectos subjetivos do
texto e limitada a dizer o que gostaram ou não
gostaram, o que mudariam etc. Afinal, para
além das percepções individuais, todo texto
tem o seu discurso organizado para comunicar
algo que existe independentemente das inter-
pretações dos seus diferentes leitores.
Também é importante que o professor se
prepare para expor o texto, que comente sobre
o assunto antes da leitura para que os alunos

possam debater acerca dos conhecimentos que
possuem. Assim também instigará a curiosida-
de para que interajam com atenção.
Após a leitura, torna-se necessário debater
novamente o assunto para analisar se o co-
nhecimento dos alunos foi ampliado, registrar
as ideias, produzir materiais, formar opinião,
buscar novos recursos para ampliar mais o as-
sunto. Todas essas são atividades que devem
ser desenvolvidas em uma sala de aula onde o
professor pretende e tem a responsabilidade
de tornar a leitura significativa.
Pode-se dizer, então, que a leitura signifi-
cativa é a que remete ao entendimento de co-
nhecimentos que façam sentido para quem lê.
O primeiro passo é a seleção de materiais ade-
quados, significativos e relevantes aos alunos,
o estabelecimento de relações com a realidade,
com o conhecimento de mundo e com os conhe-
cimentos prévios, e isso deve ser feito por todos
os professores, uma vez que, segundo ROBERTA
BENCINI 5 , cabe à escola, em meio a tantas mu-
danças tecnológicas e sociais, estimular a leitu-

LEITURA E ESCRITA / Formação do leitor


26 | LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA

Um dos princípios básicos para o aluno
gostar de ler é transformar o momento
da leitura em um momento de prazer.
A opinião da doutora em Literatura
Brasileira Yvonne Carmo Rodriguez é
baseada em sua própria experiência.
“Hoje dou aulas em universidade, mas
lecionei durante muitos anos para o
Ensino Fundamental e o Médio. E quan-
do se falava em leitura, era um deus
nos acuda. Narizes torcidos, crise de
sono... Enfim, uma calamidade. Porque
os alunos viam-se às voltas com
‘ordens de leitura’, que eles automa-
ticamente decodificavam como ‘coisa
chata’. Afinal, como não ser maçante
ler um trecho incompreensível para a
maioria, posto que vem de uma outra
época histórica, com um discurso que
não cabe nos dias atuais?”, questiona.
Para mudar esse panorama, Yvonne
ressignificou a leitura em sua prática

na sala de aula. “O educador Rubens
Alves usa metáforas em sua obra ao
tentar mostrar que devemos instruir os
alunos a produzir uma consciência crí-
tica e que a leitura não tem objetivos
pedagógicos, e sim que o leitor tenha
o prazer de ler. Fui por esse caminho.
Na hora da leitura, optei por permitir
que escolhessem o que queriam ler. De
histórias em quadrinhos ao best-seller
melado do momento. Em papel ou meio
digital. O importante era começar por
algo que gostasse. E isso servia para
eles e para mim. Assim, fui introduzin-
do algumas obras importantes, como
um gosto pessoal meu, e conquistando
leitores. Apareceu muito Harry Potter,
claro, mas também havia alunos que
vinham com um conto do Edgar Allan
Poe, um Jorge Amado, às vezes garim-
pado na biblioteca dos pais, mesmo
transformados em HQ, e contos ou

histórias bem interessantes que eu
mesma desconhecia”.
E na hora de sugerir um livro, o segre-
do é simples: cuidado e atenção nas
indicações, adequando a obra indicada
à faixa etária, procurando conhecer
(ler) o livro antes e se imaginar na pele
daquele para quem será indicado. “Não
adianta você enfiar pela goela abaixo
do aluno um clássico só porque é clás-
sico. Enquanto não se está trabalhando
as obras exigidas pelos vestibulares,
claro, pode-se ousar, trazer um autor
mais contemporâneo para a sala de
aula, alguém que fale a linguagem
deles”, observa.
E dá algumas dicas: o dia, hora, espaço
para a leitura deve remeter à mente do
aluno a imagem da delícia, como um
sorvete de chocolate. Paulo Freire já dis-
se: “... a ‘leitura’ do meu mundo, que me
foi sempre fundamental, não fez de mim

DESPERTAR PARA O PRAZER DAS HISTÓRIAS


JORGE LARROSA
É professor de
Filosofia da Educação
na Universidade de
Barcelona. Licenciado
em Pedagogia e em
Filosofia, doutor
em Pedagogia,
realizou estudos de
pós-doutorado no
Instituto de Educação
da Universidade de
Londres e no Centro
Michel Foucault da
Sorbonne, em Paris.

6

CP-LPT77_22-27_LeituraEscrita_vs2.indd 26 28/05/2019 12:31

Free download pdf