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Revista Época/Nacional - Vivi para contar
sexta-feira, 12 de março de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas
com mais de 100 mil habitantes do estado de São Paulo
com a menor letalidade — e a terceira mais baixa em
todo o Brasil. Éramos um case de sucesso no combate
à pandemia e fomos tema até de reportagens na
imprensa internacional.
Mas do céu despencamos para o inferno. No final de
janeiro deste ano, começamos a perceber um aumento
muito acentuado no número de contaminações. Claro
que havia uma expectativa de crescimento por causa do
Natal e do Réveillon. No entanto, o que estava
acontecendo era fora da curva, algo de uma dimensão
que jamais tínhamos imaginado. Em uma semana, a
ocupação de leitos passou de 60% para 80%.
Resolvemos enviar para o Instituto de Medicina Tropical
(IMT) da USP (Universidade de São Paulo) amostras de
sangue de contaminados pelo sars-CoV-2. Os cientistas
analisaram o material e descobriram a presença da
cepa de Manaus. Imediatamente, colocamos a cidade
na fase vermelha — que determina o fechamento de
todos os estabelecimentos de serviços não essenciais
— a partir de 15 de fevereiro.
Os dias se passaram, e percebemos que o número de
casos não estava caindo. Por quê? Simples: a cidade
parou pouco. Com aquele volume de infectados, mesmo
que eu dobrasse o número de leitos, não resolveria. E
depois, onde achar tantos médicos, de uma hora para
outra, para trabalhar em Araraquara?
Começamos a conversar com cientistas, para ver se
alguma cidade brasileira havia adotado um modelo de
lockdown. Não encontramos. Fomos atrás, então, das
experiências europeias e da China nos piores
momentos. Na sexta-feira 19 de fevereiro, chamei a
secretária municipal de Saúde, Eliana Mori Honain, e
disse que teríamos de endurecer nas regras e decretar
lockdown. Iniciamos já naquele fim de semana,
seguindo até a terça-feira; depois estendemos por um
total de dez dias. Apenas farmácias e unidades de
saúde podiam abrir. O transporte coletivo não
funcionou; supermercados só puderam atender por
delivery nos sete dias seguintes. A circulação de carros
e pessoas sem justificativa foi vetada.
Houve alguma resistência. Um grupo de 30
negacionistas chegou a fazer uma carreata. A maior
parte da cidade, entretanto, percebeu, enfim, a
gravidade do momento e apoiou a iniciativa.
Na primeira quinzena de fevereiro, quando recebemos
os resultados dos testes das novas cepas do IMT,
notifiquei o Ministério da Saúde. Como resposta, recebi
a promessa de envio de respiradores, mas até agora
eles não chegaram.
O que mais me deixa indignado é que o governo federal
tinha informações em dezembro que permitiam saber
que a cepa de Manaus se propagaria pelo país. Com a
Vigilância Sanitária, a Vigilância Epidemiológica e com
os centros de pesquisa espalhados pelas universidades
federais do Brasil inteiro, era possível fazer esse
diagnóstico e ajudar os municípios a se prepararem. O
governo federal não só não tomou essa atitude, como
descredenciou leitos do SUS.
Já do governo do estado de São Paulo, nós tivemos
apoio. Outro dia, em uma reunião com prefeitos, eu
disse que João Doria não foi meu candidato em 2018;
não votei nele, contudo é nítido que o governador tem
apresentado uma postura republicana no enfrentamento
do novo coronavírus.
Numa cidade como a nossa, você acaba muitas vezes
deparando com um paciente que é seu amigo ou
conhecido. Há duas semanas, fui visitar o hospital de
campanha e encontrei justamente um conhecido, que foi
criado no mesmo bairro que eu. Estava internado na