Banco Central do Brasil
Revista Veja/Nacional - Brasil
sexta-feira, 12 de março de 2021
Banco Central - Perfil 2 - Gestão Pública
quadrilha que vendia testes superfaturados de Covid-19
A auditora do Tesouro Nacional Renata Mesquita
D’Aguiar sempre sonhou em entrar no mundo da
política. Quando teve a oportunidade de trabalhar na
Câmara dos Deputados, passou a conviver com
parlamentares e se tornou amiga de alguns deles.
Filiada ao Progressistas, concorreu ao cargo de
deputada distrital em 2018, mas acabou derrotada nas
urnas. Nada que a desanimasse. Com a experiência
eleitoral na bagagem, Renata traçou novas estratégias
para conseguir ser eleita. Uma de suas prioridades era
participar de um projeto de ponta de gestão pública,
daqueles que envolvem fartura de recursos e garantem
visibilidade. Em junho do ano passado, apareceu a
oportunidade. Sob as bênçãos de caciques do
Progressistas e do Republicanos, Renata foi nomeada
diretora do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE), que tem orçamento anual de cerca
de 50 bilhões de reais. Empossada, ela fez um pente-
fino nas contas do Fundo de Financiamento Estudantil
(Fies), descobriu uma fraude de mais de 1 bilhão de
reais e denunciou o desfalque aos ministros da
Educação e da Controladoria-Geral da União (CGU).
O começo foi promissor. O problema é que, depois
disso, Renata trocou o papel de investigadora pelo de
investigada. No último dia 3 de março, ela e o marido, o
assessor parlamentar Fábio Gonçalves Campos, foram
alvo da quarta fase da Operação Falso Negativo,
responsável por esquadrinhar um esquema de venda de
testes de Covid-19 superfaturados para a Secretaria de
Saúde do Distrito Federal. O casal foi acordado pela
Polícia Civil por ser suspeito de integrar uma quadrilha
que teria desviado dinheiro público destinado ao
combate da pandemia. Durante as buscas, os
investigadores apreenderam mais de 280 000 reais em
espécie no carro de Fábio e outros 50 000 reais em
dólares e euros, além de joias, que pertenciam a
Renata. Os dois negaram ter participação em qualquer
irregularidade e alegaram que a grana em espécie tinha
como origem a venda de casas populares e seria usada
em negócios rurais. Não convenceram nem as
autoridades policiais nem seus padrinhos políticos.
Antes que o escândalo respingasse nos parlamentares
responsáveis por sua indicação ao FNDE, a auditora foi
exonerada. Seu marido também acabou demitido do
gabinete do deputado federal João Carlos Bacelar (PL-
BA).
Expoentes do chamado Centrão, Progressistas,
Republicanos e PL vivem às voltas com acusações de
corrupção e geralmente são benevolentes com
correligionários em apuros. Essa conduta-padrão, no
entanto, não valeu para Renata e o marido dela,
considerados peças-chave no esquema investigado
pelo Ministério Público do Distrito Federal. A apuração
mostra que Fábio utilizou uma empresa da Bahia para
vender, sem licitação, testes de Covid-19
superfaturados à Secretaria de Saúde do DF, que na
época era comandada por Francisco Araújo, padrinho
de casamento do casal. O sobrepreço estimado foi de
195,78% — que gerou um prejuízo aos cofres públicos
de 5 milhões de reais. Os promotores acusam a
auditora de participar do esquema porque ela nomeou
para o FNDE um dos integrantes da organização
criminosa que teria ajudado a superfaturar o contrato da
Secretaria de Saúde. A nomeação seria uma espécie de
“retribuição” aos ganhos que o marido dela obteve ao
vender os testes de Covid-19. Procurada por VEJA,
Renata jurou inocência e apresentou outra versão para
o caso. Ela disse que foi demitida do FNDE depois de
alertar o presidente do fundo, Marcelo Lopes da Ponte,
sobre uma irregularidade no repasse de 150 milhões de
reais a uma instituição de ensino superior de São Paulo.
De acordo com Renata, o pagamento foi autorizado por
um diretor da área de tecnologia do FNDE. Quando
tomou conhecimento do fato, ela abortou a operação e
pediu providências ao presidente do órgão. Ex-chefe de
gabinete do senador Ciro Nogueira, presidente do
Progressistas, Lopes da Ponte, segundo ela, teria
abafado o caso porque a falcatrua teria como
beneficiários finais importantes caciques políticos.
“Fiquei revoltada com o presidente do FNDE. Falei:
‘Presidente, isso aqui é muito sério’. Mas o presidente
falou: ‘Não vamos denunciar’”, contou Renata. “Se eu
denunciasse, ia prejudicar os presidentes do PP e do
PL”, acrescentou ela, relatando o que teria ouvido de
seu antigo superior. Procurado, o presidente do FNDE
não quis se manifestar. Em nota, sua assessoria
informou que “os processos judiciais relacionados a
esses pagamentos são acompanhados pela
Procuradoria Federal junto ao FNDE”. Por todo o país,