Psique - Edição 135 (2017-05)

(Antfer) #1

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ATUALIDADE


Luciana Moutinho é psicanalista, psicóloga de formação e mestre em Psicologia Social pela PUC-SP.
Atende em consultório particular e organiza cursos livres de Psicanálise. Professora e supervisora
universitária na faculdade Anhanguera e supervisora clínica na Faculdade de Medicina do ABC –
Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica. Contato: [email protected]

As ações altruístas veiculadas nas redes sociais exigem


uma leitura psicanalítica dessa que é uma questão atual,


pois a sociedade contemporânea, cada vez mais,


observa a espetacularização das ações cotidianas


Satisfação do EU


Por Luciana Moutinho


conceitos com os quais ela pode nos
auxiliar a pensar sobre esse tema.
As redes sociais e os aplicativos de
telefones celulares (atualmente cha-
mados de smartphones) fazem parte da
vida comum atual, como dito acima,
tratando-se de fenômenos com um ca-
ráter próximo ao de instituições sociais,
de insistência e de relevância bastante
acentuadas. As mensagens e os posts
veiculados nessas redes e aplicativos
podem levantar uma série de questio-
namentos, dentre os quais aquele que
se refere ao papel exercido por tais redes
no viver coletivo moderno, qual seja, o
papel de formadoras de imagens pesso-
ais. Ainda a esse respeito, cabe ressaltar
o surgimento de identificações (que ali,
nos meios “virtuais”, aparecem via likes
e “curtidas”), bem como identificar os
percalços e os embaraçamentos que as
redes sociais podem produzir, revelan-
do algo que, muitas vezes, está além
daquilo que as mensagens veiculadas
querem (ou quereriam) dizer.
Até que ponto esses instrumentos
digitais de compartilhamento da vida
localizam as ações no nível narcísico
dos sujeitos, em detrimento de atos

seu clássico A Sociedade do Espetácu-
lo (La Société du Spetacle, de 1967), o
escritor Guy Debord já apontava para
essa teatralização da vida (incentivada
pelo espírito capitalista), alertando-nos
sobre uma realidade intermediada por
imagens, na qual o caráter mercantil se
espraiava para todos os âmbitos da exis-
tência. O que diria então Guy Debord
sobre a internet e as redes sociais?
As redes sociais fazem parte do
dia a dia de uma grande parcela da
população e possibilitam o “com-
partilhar” de momentos vividos que
consideramos especiais – ou apenas
corriqueiros, banais. Se por um lado
as redes sociais aproximam-nos da-
queles com quem, não fossem elas,
talvez não teríamos contato, por outro
indicam-nos um fenômeno bastante
intrigante: se aquilo que é postado é
uma mensagem ao outro, enviesada
pela espetacularização, o que dizer do
trabalho voluntário e das ações ditas
“altruístas” de forma geral, quando
essas aparecem vinculadas a um perfil
nas redes sociais? Para tentar esclare-
cer esses questionamentos, um bom
caminho é a teoria psicanalítica e os

A


pontar as origens da
violência não é tarefa fá-
cil. A genética e a teoria
evolucionista indicam
que a agressividade é um
traço característico do homem, e que a
história da vida de cada indivíduo está
intimamente ligada a um conjunto de
sentimentos bons ou maus, originados
na infância e evocados quando nos in-
dagam sobre nossa conduta familiar.
A sociedade contemporânea se vê
cada vez mais às voltas com a espeta-
cularização das ações cotidianas. No


Com o termo Wu-wei (“Não-agir”), Lao Tsé
não advogava em favor de “uma inação vul-
gar ou de uma apatia cega, mas sim de um
relaxamento da atividade terrena, do desejo,
da cobiça das coisas irreais; por outro lado,
exigia a atividade nas coisas reais, o que im-
plica um certo movimento da alma” (Tsé [séc.
VI A.C.], 1988, p. 87). Assim, o filósofo chinês
buscava exprimir uma espécie de agir que
não seria por si e para si, mas sim um instru-
mento de potência (essência do Tao).

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