dama de companhia dela. A sala é tão pequena que é
necessário virar de lado para passar entre os móveis.
Henrique foi logo cedo buscar a mãe. Um dia frio de
céu nublado em que a ventania derrubou várias árvo-
res. Aixa ainda estava no quarto, de penhoar, tomando
o café numa mesinha. Sorriu para o filho e se afastou
abruptamente na cadeira quando ouviu:
- Vem comigo.
- Por quê? Morreu alguém?
- Não faz drama, mãe. Vem comigo.
- Ir para onde, filho? Desde ontem eu estou tossindo.
Não posso sair. - Você vai para outra casa.
- O quê?
- Depois te explico...
- Não explica nada. Sai daqui. Nem
vestida eu estou...
Henrique foi mordido quando
tentou levantar Aixa. Horrorizada,
Nádia gritou: - Deixa tua mãe em paz.
Henrique quis se manifestar, mas
quem falou foi Aixa. - Daqui não saio, não vou para ne-
nhum outro lugar.
Segurando no castão de prata, ela
bateu no filho com a bengala até
perder os sentidos e cair no chão. Só
voltou a si já no cubículo. À noite, o
rosto estava roxo, ela gemia e falava
sozinha. O filho mais velho... ingra-
tidão! Com que direito ele me tirou
de onde eu morei a vida inteira? Por
causa da queda, Aixa ficou com um
galo no meio da testa. Na manhã se-
guinte, passou os dedos no calombo
e foi se olhar no banheiro. Para evitar
que ela se visse, Nádia teve a delica-
deza de tirar o espelho. - Um armário sem
espelho? - Tirei, porque
está quebrado.
Aprendi a duras penas que a fa-
mília pode ser uma armadilha. A gente
cai nela porque prefere ignorar que o
amor pode virar ódio. Não houve cri-
me bárbaro na minha, assassinato. Ninguém se valeu de
arma nenhuma. O crime é de outra natureza.
Sou pai de filha única, Aixa. Para ela, fiz neste lugar,
aonde cheguei sem nada, um palácio que é um oásis, co-
lunas como palmeiras e fonte que jorra continuamente.
O arquiteto não poupou motivos solares na decoração...
deixou os pégasos e os pássaros tomarem as frisas. O
edifício foi construído por mãos de homens, mas parece
ter sido feito em diferentes épocas... arcos árabes, româ-
nicos, góticos. A natureza está tão presente fora
quanto dentro. Tudo concebido para
alojar várias gerações... atravessar
o tempo.
Desde que se casou, Aixa mora
no palácio, onde sempre acolheu
de bom grado os conterrâneos que
chegavam do meu país... fosse qual
fosse o credo. Queria fazer o que eu
desejava que ela fizesse, me con-
tentar.
O marido morreu, os filhos estão
casados: Henrique, o mais velho,
Francis, o do meio, e Lisa, a caçula.
Henrique agora quer demolir o
palácio para vender só o terreno...
“negócio mais rentável...” Mamãe
já não recebe. Não há mais por que
ficar lá. Como se, por ter ficado
idosa, Aixa não tivesse direito ao
que é dela.
Ao nascer, esse neto foi acolhido
como um príncipe. O primogênito
de Aixa! O que vai seguir em frente
com o que é nosso! Pois ele ousou
levar a mãe para um apartamento
minúsculo e sombrio. Num quar-
to dorme ela, no outro, Nádia, que
foi governanta do palácio e, por
força das circunstâncias, se tornou
Baal – Um Romance
da Imigração, de Betty Milan
Editora: Record
Preço: R$ 49,90
“Sou pai de
filha única, Aixa.
Para ela, fiz
neste lugar,
aonde cheguei
sem nada, um palácio
que é um oásis,
colunas como
palmeiras e fonte
que jorra
continuamente”
Saga sobre a imigração
A autora, que é neta de libaneses, se inspira em sua
família para destacar temas como imigração, disparidade de
gênero, conflitos familiares e preconceito, narrados pela voz de Omar,
refugiado da guerra do Oriente Médio Júlia Arbex
FOTO: DIVULGAÇÃO
anamaria.uol.com.br
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