Se o retrato dos últimos governadores do
Banco de Portugal fosse feito à semelhança
das suas prestações em comissões parlamen-
tares de inquérito, das três uma: ou sairia o
boneco de alguém sem memória ou o boneco
de um homem sem poderes para fazer nada
ou o boneco de alguém que tem a casa a arder
m as continua a dormir. Os últimos meses
têm sido profícuos em mostrar as falhas da
supervisão bancária, pelo menos, nos últimos
12 anos. À vez, temos visto desfilar uma sé rie
de escândalos sobre os erros, as mentiras ou
o estado de dormência dos governadores.
E, na maior parte das vezes, têm sobrado estas
dúvidas: os responsáveis foram coniventes ou
simplesmente azarados? Incompetentes ou
apenas negligentes? Ninguém parece saber
bem a resposta.
Vítor Constâncio dificilmente sai ileso
da novela Joe Berardo - que se junta ao ve-
lho escândalo do BPN, que já havia deixado
muitas dúvidas sobre a sua postura do "não
vi nada, não sabia de nada". E Carlos Costa,
atual governador do Banco de Portugal, tam-
bém não escapa às críticas sobre o desastre da
resolução doBES e da venda do Novo Banco,
sobre o colapso do Banif e, até, sobre as suas
peiformances do passado enquanto diretor
da Caixa Geral de Depósitos ou enquanto
responsável, no BCP (Banco Comercial Por-
tuguês), por autorizar créditos de 590 milhões
de euros para 17 sociedades offshore.
Comecemos por Constâncio. O mais pro-
vável é que o leitor já se tenha perdido entre
tantas idas ao Parlamento, notícias e des-
mentidos. Primeiro, em março deste ano, os
deputados ficaram chocados ao ver o ex-go-
vernador em estado~amnésico na comissão
parlamentar de inquérito sobre a recapitali-
zação e a gestão da Caixa (e os seus créditos
ruinosos). Depois, e antes de ser ouvido pela
segunda vez, o Público escreveu qu e Vítor
Constâncio autorizara, em 2007, que Joe
Berardo fosse levantar à Caixa um crédito
de 350 milhões para comprar ações do BCP.
O mesmo jornal adiantou que Constâncio
mentira quando disse no Parlamento que só
soube daquele contrato entre a CGD e a Fun-
dação José Berardo " a posteriori": houve troca
de correspondência entre a administração do
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Costa & Constâncio
Um ficará na História
como o responsável
pelo desastre
da resolução do
BES, o outro pela
nacionalização
do BPN. Os dois,
curiosamente,
têm uma palavra
a dizer sobre o que
aconteceu no banco
público
Banco de Portugal e a Fundação Berardo e
reuniões para debater o tema, no verão quente
de 2007 , quando se vivia a guerra de poder
dentro do BCP que viria a afastar a equipa de
Jardim Gonçalves.
Constâncio apressou- se a rebater a no-
tícia em várias frentes. Tinha viajado para
Frankfurt e por isso não esteve presente na
reunião em que o conselho de administração
do Banco de Portugal aprovou que Berar-
do aumentasse a sua participação no BCP;
o contrato entre a CGD e a Fundação José
Berardo ditava que não era necessária mais
"qualquer autorização, interna ou externa" -
o que ilibava o Banco de Portugal de culpas
nesta matéria - e, afinal, o crédito em causa
tinha outras garantias além das próprias
ações do BCP que o empresário madeirense
tencionava comprar.
Se o homem que liderou o Banco de Por-
tugal entre 2000 e 2010 conseguiu com estes
detalhes sacudir algumas culpas, ainda assim
não foi convincente quanto ao seu alegado
desconhecimento sobre aquele financiamento
bancário da CGD. Mesmo sem um instru-
mento legal para impedir o empréstimo dado
pela Caixa, não é crível que numa época em
que a guerra de poder no BCP estava debaixo