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Na noite seguinte, dou uma checada rápida no meu
cabelo no espelho do banheiro enquanto lavo as mãos. Eu vejo a
mecha rebelde fora do lugar, mas nem tento ajeitá-la. Marley
nunca pareceu se importar com isso.
Meu rosto ainda está magro por causa do acidente e das
semanas em coma. Ela vai me reconhecer? A cara de doente é
provavelmente minha menor preocupação nesse sentido.
Pego as muletas e me preparo, apago a luz e sigo para o
corredor. Eu me certifico que a mesa das enfermeiras está vazia
antes de seguir, me escondendo atrás de portas e cantos
enquanto sigo na direção da placa que diz CARDIOLOGIA em
grandes letras pretas.
Ao entrar, eu procuro por ela em silêncio.
Médicos, enfermeiras, faxineiros, todos estão distraídos com
suas pranchetas ou monitorando os pacientes. Mas nada de
Marley. Eu tento uma sala de espera, e depois outra, passando
pela segunda porta e vendo as cadeiras todas vazias. Ela não
está em lugar nenhum.
A única coisa ali é um livro aberto, virado para baixo em uma
das cadeiras verdes. Eu ando até ele e o pego, analisando a
complexa capa floral antes de folhear as páginas.
É uma história de amor, duas pessoas decididas a terminarem
juntas. E começa com “Era uma vez...”
Antes de colocá-lo de volta no lugar, percebo algo familiar na
capa. Imagens da noite do acidente surgem na minha cabeça: as