Restinga Paralela = Parallel Restinga

(Vicente Mussi-Dias) #1
FORMAÇÃO

SOCIOCULTURAL DAS RES-

TINGAS DO NORTE

FLUMINENSE

Segundo Gabriel Soares(1) de Souza, escrevendo na se-
gunda metade do século XVI, a primeira tentativa de coloniza-
ção portuguesa do Norte Fluminense ocorreu na restinga norte,
perto da foz do Rio Paraíba do Sul. Fracassou. Uma linha da
historiografia sustenta que a colonização contínua da região
foi feita por pescadores vindos de Cabo Frio que se instalaram
na atual Atafona, em 1622, e fundaram São João da Barra. De
fato, este é o núcleo mais antigo nas restingas da região. É bem
verdade que Macaé já era um povoado quando começou a co-
lonização contínua da região, mas ele se situava na zona cris-
talina, à margem direita do rio de mesmo nome, não na margem
esquerda aonde principia a restinga.


A partir de São João da Barra, a margem esquerda do
Paraíba do Sul foi conquistada. Gargaú data da segunda me-
tade do século XIX. A vila era um importante centro mercantil
do chamado Sertão. Lá, existia uma dinâmica feira para qual
acorriam semanalmente pequenos e grandes produtores para
comercializar seus produtos. A diversidade agropecuária era
notável.


No século XX, outros núcleos se instalaram nas restin-
gas, mais na do norte que na do sul. Na extremidade da restin-
ga norte, Guaxindiba ergue-se aos poucos. Na foz do Paraíba
do Sul, a ilha da Convivência ganhou destaque nacional. Nela,
formou-se uma povoação constituída por descendentes de
náufragos de países anglo-saxões, notadamente holandeses e
ingleses, ao que se supõe. Essas pessoas foram chamadas re-
gionalmente de muxuangos. Pele clara enrugada pelo sol, cabe-
los lisos e alourados e olhos azuis. Elas viviam basicamente da
pesca e da coleta de moluscos e crustáceos no manguezal do
grande rio. Entre eles, havia o casamento por sequestro simula-
do. O homem interessado numa mulher simulava um sequestro
dela. Os pais demonstravam indignação, mas tudo era forjado e
aceito no final.


Hoje, por questão de segurança, ninguém mais habita
a ilha. A erosão causada pelo mar ora destrói, ora reconstrói a


ilha, mas as condições de assentamento são impróprias. Con-
tudo, ainda hoje encontramos casais formados por sequestro
vivendo em Atafona, outro ponto icônico das restingas do Norte
Fluminense. Na margem direita da foz do grande rio, essa vila
foi bastante conhecida no passado. Casas de pessoas ricas er-
gueram-se ao lado de casas de pescadores. Hoje, o local ago-
niza com a severa erosão provocada pelo avanço do mar e pela
perda de vasão do Paraíba do Sul. Grussaí, praia mais ao sul,
cresceu como extensão de Atafona e hoje a supera em adensa-
mento humano.

Já a vila do Açu, de longa data, notabilizou-se pelo turis-
mo rural. Anualmente, pessoas do campo dirigiam-se a ela em
carros de boi, transportando utensílios necessários para as fé-
rias anuais. Suas origens são pouco conhecidas, mas pode-se
presumir que, a partir do Açu, outras localidades se constituí-
ram, a exemplo de Xexé, Marrecas, Quixaba, Azeitona e diversos
outros povoados. Maria Rita da Silva Lubatti viveu num tempo
em que o relativo isolamento dessas localidades ainda permitia
o desenvolvimento de fortes manifestações culturais e escre-
veu um livro sobre elas, assim como Alberto Ribeiro Lamego
escreveu sobre os muxuangos, anotações que mais tarde me-
receram um artigo de An’Augusta Rodrigues.

Na língua arenosa que conecta as duas grandes restin-
gas, um grande farol de origem francesa foi erguido para aler-
tar embarcações quanto ao perigo dos parcéis do cabo de São
Tomé. Em torno dele, formou-se uma povoação conhecida pelo
nome de Farol de São Tomé. De alguma forma, o grande roman-
cista José Cândido de Carvalho faz alusão a ele. Mais ao sul,
a sede da fazenda do Capitão José de Barcelos Machado, um
dos pioneiros na colonização da região, deu lugar, muito tempo
mais tarde, à um núcleo habitacional conhecido como Barra do
Furado. Sua história é muito rica.

Daí em diante, a restinga sul foi ocupada superficialmen-
te. Suas lagoas e sua vegetação nativa ficaram protegidas pela
própria natureza, apesar de existir nessa restinga um caminho
com intenso movimento para o Rio de Janeiro. Ele era o acesso
para a vila, depois cidade de Campos.

O curioso, do ponto de vista cultural, é que havia muito
mais circulação de pessoas e de mercadorias na restinga sul do
que na restinga norte. Contudo, depois da ferrovia e das rodovias,
a restinga sul ficou à margem das transformações econômicas.
Com exceção de Macaé, nenhum núcleo urbano expressivo de-
senvolveu-se nela, pois Macaé, hoje, expande-se pela margem
esquerda do rio que tem seu nome. Quissamã e Carapebus
foram edificados em zona de tabuleiros, embora próximos da
costa. Por outro lado, a restinga norte foi ocupada por uma ci-
dade e por vários núcleos populacionais inicialmente voltados
apenas para a pesca. Mais recentemente, a agropecuária e a in-
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