Restinga Paralela = Parallel Restinga

(Vicente Mussi-Dias) #1

O tão citado rio Iguaçu reduz-se atualmente à lagoa do
Açu. Na segunda viagem, efetuada em 1633, a viagem de batis-
mo, os sesmeiros incumbiram-se de nomear vários acidentes
geográficos, a maioria dos quais mantêm o mesmo nome até
hoje. Ao lado da lagoa de Carapebus, que recebeu este nome
ainda na primeira viagem, batizaram eles as lagoas costeiras de
Fedorenta, de Jagabra de Santo Amaro, das Bananeiras (entre
a restinga e a planície aluvial), Salgado, do Taí e alguns outros
que apresentam dificuldades de localização. As três viagens
dos sete capitães constituíram-se na primeira experiência de
reconhecimento da região, permitindo a identificação de quatro
ambientes: as planícies de restinga, as planícies aluviais, as la-
goas costeiras e as lagoas interiores, além de florestas(10).


No acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, exis-
te um mapa sem autor e data que, pelas características, parece
reportar-se ao século XVII. Ao examiná-lo, tem-se a impressão
de que ele foi traçado por alguém a partir de informações for-
necidas por outrem, a exemplo de um retrato falado. Muito dis-
torcido para a cartografia da época, este mapa assinala o rio
Paraíba do Sul bifurcado em dois cursos a montante da foz, bar-
reiras vermelhas ao norte desta (talvez falésias, que deveriam
abundar mais naquele tempo), um lago costeiro denominado da
Paraíba (que mais parece a lagoa Feia deslocada para a costa),
o cabo de São Tomé e a ilha de Santana.


O amplo painel desenhado pelo jesuíta Simão de Vas-
concelos no século XVII centra-se na planície aluvial, na lagoa
Feia e nos povos indígenas(13). Um breve documento datado de
1657 e redigido por André Martins da Palma fala da importância
de erguer uma vila e de construir uma fortaleza na foz do rio
Paraíba do Sul para proteger este ponto estratégico do inimigo
estrangeiro(14).


Plantas e animais. Dos três mais densos documen-
tos escritos sobre a região norte fluminense − o de Maldona-
do e Pinto, o de Vasconcellos e o de Palma −, só o primeiro
nos fornece subsídios para um conhecimento mais detalhado
dos ecossistemas vegetais nativos nela existentes. É neste
documento que encontramos a nítida distinção entre solos
arenosos de restinga, com florestas densas não muito longe
do mar e vegetação herbácea junto às lagoas costeiras (com
bastante probabilidade de ser a taboa, Typha domingensis), e
os campos nativos de planície aluvial, revestidos com plantas
herbáceas excelentes para o gado e com tufos de matas hi-
grófilas nos pontos mais altos. Menção a uma árvore de nome
quiriba sugere siriba ou cereíba, planta do gênero Avicennia, ex-
clusivo de manguezais. Nominam-se também as palmas daiiá,
possivelmente coqueiro-indaiá ou simplesmente indaiá (Atta-
lea dubia), e raraí, cuja espécie não nos foi possível identificar


até o momento.

A fauna também aparece nele. Registra-se a abundân-
cia de peixes, sem, todavia, fornecer-lhes os nomes vulgares,
salvo a piabanha, a existência de muitas aves grandes e peque-
nas, de veados, de capivaras e de macacos. Da leitura do texto,
transparece a ideia de uma grande diversidade biológica e de
extraordinária biomassa(10). Por sua vez, Simão de Vasconcelos,
repetindo Gabriel Soares de Sousa, só se refere à fauna de for-
ma indireta, ao relatar a economia extrativista e de subsistência
dos povos nativos. Segundo ele, os goitacás alimentavam-se
de peixes e de animais de campo.

Eram tão insignes no pescar que se diz
deles (se é para dar crédito) que se junta-
vam em certas paragens baixas do mar
e com paus nas mãos, curtos e agudos
duma e outra parte punham em cerco os
tubarões e arremetiam a eles e quando
ia ao abrirem a boca, lhes metiam nela
a mão e o pau, e engasgados os traziam
à terra(13).

As restingas no século XVIII


Terras e águas. Na primeira e na segunda edições do
clássico O homem e o brejo, Alberto Ribeiro Lamego estampa
um mapa de 1747 que retrata a baixada da capitania do Rio de
Janeiro, não constando o nome do autor(15,16). As partes altas
eram, então, virgens ou quase virgens, cercadas do maravilhoso
e do perigoso, terra de índios ferozes. Este mapa, cujo paradeiro
se desconhece, mostra o rio Macaé, um corpo d’água que se
assemelha à lagoa de Carapebus, a lagoa Feia e seus defluentes
e um caudaloso rio Paraíba do Sul.

Por ordem do Conde de Cunha, capitão geral e vice-rei
do Brasil, Manuel Vieira Leão, sargento-mor e governador da
fortaleza do Castelo de São Sebastião da cidade do Rio de Ja-
neiro, traça, em 1767, uma carta topográfica da Capitania do Rio
de Janeiro. Este documento iconográfico retrata bem o esta-
do de conhecimento das regiões da capitania à época. A costa
aparece cheia de informações, enquanto que o interior mostra
apenas o rio Paraíba do Sul e o caminho para as Minas Gerais.
Na margem direita, em toda a extensão da carta, o registro da
Serra do Mar, com um grande vazio no meio assinalado como
sertão ocupado por índios brabos. Quanto à costa entre os rios
Macaé e Itabapoana, o cartógrafo assinalou vários acidentes,
com a precisão da época. Na restinga do sul, figuram as lagoas
Comprida, Jerubatiba, Carapibus Grande, Carapibus Pequena,
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