meia de largura...(23)
Acrescenta ainda que o grande ecossistema lagunar de-
flui por vários canais que não alcançam o mar por esbarrarem
em cômoro alto e extenso, formado de areia grossa e firme. Es-
clarece, no entanto, que estes sangradouros se reúnem numa
lagoa assaz alongada com feitio de rio que vence o cômoro
com a força humana, que anualmente abre nele um vertedouro
à enxada, permitindo que as águas escoem para o mar pelo rio
Furado, fácil e rapidamente entupido por ação das ondas. Outro
escoadouro é o rio Castanheta ou Iguaçu. No rol de Aires de Ca-
sal, figuram ainda as lagoas de Carapebus, as duas do Taí, a de
Saquarema e a do Campelo(23).
Um dois mais notáveis naturalistas a passar pelas res-
tingas do norte fluminense foi Auguste de Saint-Hilaire. De Ma-
caé a Campos, o botânico percorre, em 1818, planícies arenosas
entre o mar e colinas, com trechos pantanosos. A descrição de
Saint-Hilaire corresponde perfeitamente à restinga sul da região
norte fluminense. Sem dar nomes aos acidentes, há referência a
um grande lago separado do mar por uma estreita faixa de areia
sem vegetação. Ficou o registro:
A cor do mar contrastava tristemente
com o pardacento do lago; toda a região
apresentava o aspecto austero da aridez
e da solidão; o único movimento que aí
se notava era o das vagas, repetido, mo-
nótono(24).
Esta visão melancólica da restinga como um ambien-
te pobre e desprovido de interesse acompanhará Saint-Hilaire
também no que tange à flora. Menciona o infatigável viajante
o lago de Carapeboi, palavra que ele entende derivada do tupi,
significando coisa (cara) curta (boya) e uma outra, sem nome,
após a qual estende-se o sítio do Paulista, uma planície estéril
e arenosa, imprópria para qualquer cultivo, conquanto revestido
de relva rala, boa para pastagem. Daí em diante, sucedem-se,
numa região uniforme e deserta, dunas junto ao mar e lagoas
um pouco mais para o interior, com água salobra. Melancolia,
deserto, aridez, solidão, uniformidade, eis a visão de Saint-Hi-
laire da restinga entre Macaé e Barra do Furado, contrastando
com a vida e o movimento da planície aluvial e com a luxúria
da floresta ombrófila e estacional. As impressões do naturalis-
ta francês acerca da restinga sul serão estendidas à restinga
norte. Entre Curralinho e Manguinhos, pouco distante do mar,
a areia pareceu-lhe de extrema brancura, como na restinga de
Cabo Frio. “Por toda parte profunda solidão que o ruído monó-
tono das vagas ainda tornava mais triste(24)”. Daí em diante, ele
mergulha na floresta estacional rumo ao Espírito Santo.
José Carneiro da Silva, cronista da casa, escreveu uma
pequena memória, em 1819, que, apesar de sua fragilidade fren-
te às informações prestadas pelos naturalistas estrangeiros,
tornou-se obra de referência e de consulta obrigatórias. Nela,
o autor mistura observações de primeira e de segunda mão. A
respeito das restingas, pouco diz. O país (tomado no sentido de
região), segundo ele, dividia-se em duas partes: uma de rios,
lagoas e brejos; outra de terras de lavouras e campinas. No-
meia nove rios, dos quais três desembocam no mar: o Macaé, o
Paraíba do Sul e o Itabapoana. Tratando do sistema lagoa Feia,
o Visconde de Araruama dá notícia dos seus defluentes con-
vergindo para o rio Iguaçu que chegava ao mar pela barra do
Canzoza, considerado por ele um curso morto após a abertura
da barra do Furado pelo capitão José de Barcelos Machado, em
A Lagoa Feia na Carta Corográfica da Província do Rio de Janeiro, desenhada
por Pedro Taulois em 1839
Feia Lagoon in the Chorographic Chart of Rio de Janeiro Province elaborated
by Pedro Taulois in 1839