Restinga Paralela = Parallel Restinga

(Vicente Mussi-Dias) #1
râncias de uma flora teratológica. Tucuns
hostis, embaúbas inúteis, ingazeiros contor-
cidos, cajueiros aleijões sobem do capacho
áspero de citamíneas e gramíneas, de bro-
mélias e cactáceas em crispações, de arapu-
cas boiantes e floridas de ninfeias e aguapés.
Apenas a bignoniácea “tabebuia” dá-nos a le-
nha, as formas de calçado e os tamancos(54)!

Tirante a tabebuia, ou seja, o ipê, espécie arbórea de
grande valência ecológica, as demais plantas que medram em
solo arenoso costeiro não têm qualquer validade econômica e
não merecem consideração aos olhos de Lamego. Esta visão
utilitarista emerge também de outro livro do geólogo, para quem
a salvação da restinga consistia em deixar de ser restinga. Para
tanto, preconizava ele a proteção da flora, mesmo reconhecen-
do-a inferior, pois a rarefação das espécies arbóreas e arbusti-
vas transformaria a zona ainda esperançosa num deserto. Daí
a sua condenação ao desmatamento, pois ele agravaria ainda
mais as condições já de per si hostis às atividades econômicas.
No entanto, é imperioso adubar os solos arenosos para que eles
se tornem propícios à agricultura e à pecuária. Em resumo, a
restinga só prosperaria, segundo Lamego, na medida em que
sua ecofisionomia se aproximasse da planície fluvial(55, 56).


Talvez o desprezo por este tipo de vegetação lance al-
guma luz sobre a escassez de referências. Os relatos deixados
pelos naturalistas europeus permitem entrever que eles traziam
já uma ideia pré-concebida de floresta, cujos traços principais
seriam a diversidade de espécies, o predomínio de grandes ár-
vores, a densidade florestal, a complexidade interna, a umidade,
o calor, o silêncio, um certo perigo advindo de animais silves-
tres e de índios bravios. Uma concepção bastante distinta da
relativa às florestas temperadas do hemisfério norte, conside-
ravelmente reduzidas em suas dimensões, na Europa, por uma
exploração secular. Basta perceber o arrebatamento de Maximi-
liano de Wied-Neuwied, Hermann Burmeister, de Spix e Martius,
de Tschudi e de Saint-Hilaire em contato com as florestas tro-
picais ombrófilas e estacionais. A partir desta visão, as matas
psamófilas costeiras assumem um caráter menor. E o curioso
é que esta imagem contaminou os naturalistas brasileiros. Via
de regra, para agrônomos e engenheiros florestais, vegetação
nativa que se preza deve contar necessariamente com árvores
de grande porte.


Mais recentemente, Dorothy Sue Dunn de Araujo e Rai-
mundo Henriques reconheceram que “As restingas ainda são
pouco conhecidas com respeito a sua composição florística
e as formações vegetais ali contidas, especialmente aquelas
ao norte do Estado do Rio de Janeiro como demonstra uma


análise da bibliografia existente para restingas até 1982.”(57)
Só há bem pouco tempo é que os estudiosos se aperceberam
da importância ecológica das formações vegetais nativas
psamófilas costeiras. Em 1984, um grupo de cientistas reuniu-
se na Universidade Federal Fluminense para analisar as
restingas brasileiras em seus múltiplos aspectos e lançar um
grito de alerta contra a sua destruição(42). Agora, há um grupo de
escol debruçado sobre os aspectos florísticos e ecológicos da
restinga sul, entre eles Araujo, Scarano, Sá, Kurtz, Zaluar, Mon-
tezuma e Oliveira(58).

A destruição de ecossistemas é a maior ameaça à fau-
na nativa. Norma Crud denunciou que os moluscos Cochlori-
na navicula, Auris bilabiata melanostoma, Streptaxis contusus,
Megalobulimus ovatus e Solaropsis sp. correm sérios riscos
em virtude da destruição de seus habitats. O primeiro só ocor-
re na vegetação psamófila costeira de São João da Barra e da
praia de Marobá, no Espirito Santo, não avançando para o sul.
O segundo e o terceiro, além de não contarem com populações
abundantes, limitam-se ao trecho de restinga entre São João
da Barra e Macaé. O quarto foi observado por três vezes, em
diferentes horas do dia, caminhando no solo humoso das res-
tingas de Macaé. Finalmente, o quinto só foi encontrado uma
vez, na vegetação arbórea da restinga de Carapebus, que tinha
sofrido a ação de uma queimada. Segundo ela, a borboleta-da-
-praia (Parides ascanius), espécie endêmica, relicta e primitiva,
localizada em Cabiúnas, encontra-se sob pressão de ativida-
des antrópicas e está ameaçada de extinção(59).

A ocorrência de macroinvertebrados bentônicos nas
lagoas de Imboacica, Cabiúnas e Comprida mereceu atenção
de Callisto, Gonçalves Jr, Leal e Petrucio(60), ao passo que ca-
marões peneídeos e paleomonídeos, nas lagoas de Imboacica,
Cabiúnas, Comprida e Carapebus, foram estudados por Alber-
toni(61). Isto sem mencionar uma considerável literatura sobre
invertebrados que vem sendo produzida com relação à restinga
sul. O mesmo, todavia, não se pode dizer acerca da restinga
norte, ainda muito pouco conhecida em seus múltiplos aspec-
tos.

O caso de Quissamã parece deixar claro que a demo-
lição dos ecossistemas nativos − aquáticos e terrestres −
concorre de maneira excruciante para o empobrecimento da
biodiversidade faunística. Nesse município, não se passou,
como nos solos da planície fluvial e dos tabuleiros, um incle-
mente rolo compressor. Restaram lagunas, lagoas e amostras
de matas que transformaram a restinga sul numa espécie de
relíquia ecológica da baixada, fazendo contraponto com os
remanescentes florestais dos píncaros da Serra do Mar. Nos
ecossistemas nativos, transformados e mesmo antrópicos de
restinga, em Quissamã, estudo recente revela uma diversidade
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