H
á 36 anos, o servidor público
Paulo Luiz de Lima Neris, de 54,
cumpre o mesmo ritual: de três em
três meses, ele se dirige ao
hemocentro mais perlo de onde
estiver, no Brasil ou no exterior, e repele o gesto
que faz desde os 18. No dia 31 de julho de 2020, o
maior doador de sangue do pais fez sua doação
de n° 300 no Hemocentro Dalton Cunha, cm
Natal (RN), onde mora desde 2003. Paulo já
cedeu ao longo da vida 150 litros de sangue
A positivo — quase 30 vezes o volume do corpo
humano — e ajudou a salvar 1 200 pessoas (cada
bolsa de 450 mililitros ampara até quatro vidas).
Ainda garoto, o atual recordista brasileiro ob-
servava o pai, Luiz, doar sangue. Quando comple-
tou a maioridade, tomou coragem, enfrentou a
agulha e passou a fazer o mesmo. Na época, ho-
mens podiam doar todos os meses. I loje, só a cada
dois meses, e as mulheres, a cada três. “No Brasil, a
idade-limile é de quase 70 anos. Ou seja, ainda te-
nho uns 16 pela frente. Se tudo der certo, quero
chegar às 500 doações", conta Paulo, um dos 3.3
milhões de cidadãos que doam sangue no país.
Na ponta do lápis, isso representa 1.6% da
nossa (^) r•I» pulação. Embora esteja dentro do reco-
mendado pela Organização Mundial da Saúde
(OMS), o número é, na opinião dos especialistas,
“muito pouco". “Nossa população está envelhe-
cendo e a violência não para. Eu diria que 2% se-
ria o patamar mínimo e 2,5% o ideal” afirma o
hematologisla Luiz Arnorim, diretor do Instituto
Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Ca-
valcanti (Hemorio), na capital fluminense. No
hemocentro mais antigo do Brasil, a queda pro-
vocada pela pandemia de Covid-19 chegou a
40%. Em maio, o número de bolsas despencou
de 7 mil para 4.2 mil. Em instituições como o
Instituto Nacional de Câncer (Inca). no Rio. e a
Fundação Pró-Sangue, em São Paulo, o estrago
foi maior: 50%. Com medo de contrair o corona-
virus, os doadores sumiram. Na entidade paulis-
ta, que atende 100 instituições públicas em todo
o estado, o número de bolsas caiu de 10 mil para
6,5 mil por mês. “No auge da pandemia, tivemos
que recorrer a outros hemocentros para o nosso
estoque não ficar zerado", relata a hematologisla
da fundação Luciana Sampaio.
Mas não é de hoje que o Brasil pena com essas
quedas. Nos últimos quatro anos, o total de trans-
fusões de sangue aumentou de 2.8 milhões para
2,95 milhões. A quantidade de bolsas para suprir
a demanda, porém, caiu de 3,35 milhões para 3,2
milhões. Durante a pandemia, a situação só se
agravou. Tanto que, em junho, o governo federal
lançou a campanha “Seja Solidário. Doe Sangue.
Doar É um Ato de Amor", a fim de atrair novos
doadores e fidelizar os antigos. Em caso de neces-
sidade, o Ministério da Saúde prevê o remaneja-
mento de bolsas: ele aciona o hemocentro mais
próximo ou o que está com o estoque mais abaste-
cido para socorrer aquele em estado crítico.
Foi o que aconteceu com o Ceará, que cedeu
bolsas para São Paulo. Entre março e junho, o
Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará
(Hemoce) registrou 27,8 mil doações, um número
15% menor que o alcançado no mesmo período de
- “Mas conseguimos manter nosso estoque
dentro da margem de segurança", avalia Luciana
Carlos, diretora da instituição. No primeiro se-
mestre. 1.6 mil bolsas de sangue foram transferi-
das de um lugar para outro pelo ministério. ®
A avaliação
0 doador segue para a triogem.
Um médico realiza um exame
e analisa as respostas do
questionário. O candidato e
considerodo apto ou inapto
temporariamente, em definitivo
ou por tempo indeterminado.
E deve ser comunicado o respeito.
A liberação
Candidatos anémicos, com
problemas cardíacos ou pesando
menos de 50 quilos não podem
doar. 0 voluntário apto assina
um termo de consentimento.
autorizando o dooçòo e
garantindo que disse a verdode na
entrevista, e segue para o coleta.
VÍJA SAUDE AGOSTO 2020 57