COMBO SAUDE - VOLUME 1

(O LIVREIRO) #1
Onze dos mais de 45 mil
brasileiros que se curaram da
Covid-19 relatam as agruras
que viveram desde os primeiros
sintomas até a recuperação

em casa ou no hospital
trxtoANDRE BERNARDO design e Iteirüçôes EDUARDO PlGNATA
fotos PM IMAGE E KLAUS VEDFEíTGETTYIMAGES

G


igante. O halterofilista Ricardo Xa-
vier de Souza, de 41 anos, não tem o
apelido à toa. Com 1,85 metro de al-
tura e 127 quilos, ele é campeão sul-


  • americano de levantamento dc peso.
    Fora dos treinos, gosta de tirar do chão carros e
    motos. Em competições oficiais, já suspendeu até
    250 quilos. Apesar do histórico de atleta, Ricardo
    foi surpreendido por um adversário da pesada: o
    novo coronavírus. Internado no dia 7 de abril no
    Ilospital Ana Costa, em Santos (SP), com suspeita
    de pneumonia, passou cinco dias na Unidade de
    Terapia Intensiva (UTI) e mais quatro na enferma-
    ria. Seu quadro piorou tanto que, depois que seus
    rins pararam de funcionar, foi submetido a duas
    sessões de hemodiálise. A certa altura, a esposa,
    Alexandra, ouviu dos médicos que os remédios não
    estavam fazendo mais efeito. "Já enfrentei de tudo:
    de afogamento a acidente de carro. Mas nada se
    compara à Covid-19”, diz o halterofilista. “No dia
    em que recebi alta, perguntei à medica o motivo da
    minha internação. Quando ela disse Covid, caí no
    choro e agradeci a Deus por estar vivo."
    Sob efeito dc sedativos, Ricardo não viu os dias
    passarem. Depois de cinco dias entubado, quando o
    médico lhe perguntou há quanto tempo estava ali,
    respondeu: cinco minutos. Respirar com a ajuda de
    aparelhos, tal e qual o atleta, foi um dos medos do
    engenheiro Eric Cônsoli, de 41 anos. Ele deu entrada
    no Hospital São Lucas, em Ribeirão Prelo (SP), no
    dia 24 dc março, com tosse e falta de ar. Lá. passou
    nove dias, sete deles na UTI. Ao contrário de Ricar-
    do. não precisou ser sedado ou fazer uso de respira-
    dores. Passou o tempo todo consciente, recebendo


oxigênio por meio de um cateter nasal. “Tive tempo
de sobra para repensar minha vida. Revi conceitos,
questionei prioridades. Será que é isso mesmo o que
eu quero para mim?", se perguntava. Se Ricardo per-
deu o aniversário de 18 anos do filho Bryan, Eric não
pôde estar na celebração de 4 anos da sua caçula,
Rafaela. Quando recebeu alta, no dia 2 de abril, foi
aplaudido por toda a equipe médica. O video ga-
nhou as redes sociais.
No período em que passou confinado na UTI,
Eric só conseguia pensar na mulher e nas filhas:
“Será que elas estão bem? Será que pegaram o coro-
navírus? Será que vou conseguir rever minha famí-
lia?". Ele só pôde relaxar no quarto dia de interna-
ção. quando a direção do hospital providenciou um
celular c conseguiu ouvir a voz das três. Quem viveu
um drama parecido foi a professora universitária
Cristina Yamaguchi, de 55 anos. Ela e o marido, Al-
zir, participaram dc um cruzeiro internacional pelo
Caribe. A viagem começou dia 8 de março em Punta
Cana. mas. quatro dias depois, as fronteiras foram
fechadas e os passageiros, proibidos de desembar-
car. De Guadalupe, só havia voos para os EUA ou a
Europa. Foram dias confinados na cabine do navio
ate a empresa responsável fretar um avião de volta
ao Brasil. Em Lages (SC), Cristina foi internada no
I lospital Nossa Senhora dos Prazeres. "A pior parte
foi o isolamento hospitalar. Fiquei II dias totalmente
incomunicável. No décimo dia. consegui autoriza-
ção do médico e, com o celular de um enfermeiro, li-
guei para meu marido. Foi um alivio”, relata.
Segundo cálculos da OMS, Ricardo. Eric e Cristi-
na fazem parte dos 15% dos infectados de Covid- 19
que desenvolvem sintomas graves, como falta de ar.
e precisam ser hospitalizados. Cerca dc 80%, no en-
tanto, apresentam manifestações assintomáticasou
leves, como febre e tosse, e podem ser tratados em
casa, com repouso, hidratação e antitérmicos.
“Quem pertence ao grupo de risco, ou seja, possui
mais de 65 anos e alguma comorbidade, como car-
diopalias, diabetes e hipertensão, tem maior propen-
são à forma grave da doença. Mas já houve casos de
pacientes jovens e sem fatores de risco que foram a
óbito. Por que isso acontece? Ainda não sabemos”,
diz o infectologista Celso Granato, diretor clínico do
Grupo Fleury. "Todos nós. independentemente de
faixa etária ou fator de risco, estamos vulneráveis.
Ninguém é 100% imune à infecção", ressalta. ®

“As pessoas não estão
levando a doença a
sério. Não entendem
os perigos que estão
correndo e quanto
estão expondo as
pessoas que amam.
Ainda não há vacina
nem tratamento. Por
enquanto, as únicas
maneiras de nos
protegermos são o
isolamento social e as
medidas de higiene.
Ecatastrófico o que
esse vírus faz. Uma
roleta russa. Não dá
para saber quem vai
ficar grave. Há uma
chance maior de
pessoas vulneráveis
apresentarem
quadros mais
severos, mas temos
observado jovens
em situação critica.
Então, o que peço é:
não negligenciem
o isolamento.
Quanto menos
gente circulando
nas ruas, menos
sobrecarregados
estarão os serviços de
saude. Se as pessoas
não ficarem em casa,
a situação vai ficar
critica em breve. Como
não estamos testando
todos os suspeitos, o
número de casos deve
ser maior que o oficial."
Anna Poloni
médica, 33 anos

VEJA SAUDE MAIO 2020 55
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