Crusoé - Edição 180 (2021-10-08)

(Antfer) #1

havia escravos em Palmares e que o projeto da revolta dos negros malês,


em 1835, incluía a escravização dos mulatos. Trazendo esse episódio que


ocorreu em Salvador para os dias de hoje, é como se os pretos


muçulmanos da Bahia quisessem escravizar aqueles que hoje são a


vastíssima militância dos movimentos negros. Naquele tempo, não havia


uma recusa do sistema escravista em si. Isso só aconteceu com a


emergência do movimento abolicionista. Então, nós devemos rever a


nossa experiência nacional assim, sem qualquer unilateralismo


penitencial. Pelo que estou vendo, a comemoração dos 200 anos do Brasil


independente será o avesso do que aconteceu em nosso primeiro


centenário. Em 1922, apesar das diferenças políticas e ideológicas, todos


se concentraram na necessidade de uma afirmação moderna do Brasil


como nação. Em 2022, o papo vai ser outro. O que se tem em vista não é


nenhuma afirmação, mas a negação da nação. A desconstrução nacional


sonhada pela esquerda identitária.


Ao trazer à tona histórias de negros, mulheres e índios que foram bem-


sucedidos ou submeteram outras pessoas, como o senhor fez no livro As


Sinhás Pretas da Bahia, isso não seria uma maneira de minimizar a


violência ou a repressão que esses grupos sofreram no passado?


Quando os europeus chegaram à África, no século XV, encontraram


sociedades escravistas e rigorosamente divididas em classes sociais. No


reino do Congo, por exemplo, era proibido o casamento de aristocratas


com plebeus. Em Matamba, a rainha Ginga costumava usar suas escravas


como poltronas, passando horas sentada em seus dorsos. Não foi o


Ocidente que inventou a sociedade de classes, a exploração do homem


pelo homem. Os egípcios usavam escravos pretos para construir


pirâmides, isto é, para satisfazer o ego de reis megalomaníacos. No Brasil,


os tupinambás, que também eram escravistas, chacinaram os tupinaés.


Tomaram suas terras e os expulsaram do litoral, escorraçando-os para os


sertões. Digo essas coisas porque não existem essas entidades genéricas:


“os” negros, “os” índios, “as” mulheres. Isso é mistificação. Do ponto de


vista sociológico, sempre houve exploração do negro pelo negro na África.


O slogan “Vidas negras importam” (Black Lives Matter, dos protestos nos


Estados Unidos) é perfeito para ser gritado hoje nas favelas de Lagos ou


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