As vidas negras que não importam
Banco Central do Brasil
Folha de S. Paulo/Nacional - Poder
sábado, 13 de novembro de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas
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Autor: Demétrio Magnoli
As taxas de homicídios nas grandes cidades dos EUA
cresceram 30% em 2020 e, novamente, 24% nos
primeiros meses de 2021. As taxas de aprovação do
governo Biden retrocedem desde julho, caíram para
zona negativa em agosto e, agora, situam-se ao redor
de meros 43%. Inexiste correlação estatística direta
entre os dois fenômenos, mas o primeiro, filtrado pelo
discurso político, ajuda a iluminar o segundo.
"Cortem o financiamento da polícia" -o lema foi erguido
pelo movimento Black Lives Matter ("Vida Negras
Importam") durante as manifestações de protesto pelo
assassinato de George Floyd, em Minneapolis, e
adotado pela ala esquerda do Partido Democrata.
?Nas eleições de 2020, Biden obteve mais de 70% dos
votos na cidade que foi palco do crime notório. Há
pouco, porém, a mesma cidade rejeitou em plebiscito
uma proposta de substituição do departamento de
polícia por um Departamento de Segurança Pública.
Uma folgada maioria de 56% votou contra a nova
agência que "se necessário, poderia incluir" policiais. "O
Império contra-ataca", tuitou D.A. Bullock, cineasta e
ativista do movimento negro. De fato, porém, a proposta
foi derrotada tanto nos bairros afluentes,
majoritariamente brancos, quanto nos pobres, habitados
por negros e latinos, onde se concentra a violência por
armas de fogo. Nicole Drillard, que é negra e teme as
arbitrariedades cometidas por policiais, explicou seu
voto: "Precisamos de alguém para chamar -e, se não for
a polícia, quem será? Já não temos policiais suficientes
nas ruas."
A desconexão dos ativistas com suas supostas bases
evidenciou-se desde o início, pela adoção da bandeira
radical de abolição da polícia no lugar da ideia de
reforma policial. A deputada Ilhan Omar, de
Minneapolis, uma estrela da esquerda democrata,
lamentou a derrota e, como tantos, a atribuiu à
"desinformação". Claro: os eleitores são informados
quando a elegem, mas não o são quando recusam-se a
seguir o seu comando.
Quase todas as grandes cidades dos EUA são
governadas pelo Partido Democrata. Espertos, os
republicanos converteram o aumento dos homicídios em
tema central de campanha. Biden nunca juntou-se às
vozes que querem cortar o financiamento da polícia,
mas diversos integrantes de seu governo engajaram-se
na defesa da abolição do departamento policial de
Minneapolis. Assim, o discurso da "lei e ordem", que
não salvou Trump, refaz seu caminho na pista asfaltada
por ativistas identitários para quem nem todas as vidas
negras importam. Na Virgínia, que deu vantagem de 10
pontos para Biden em 2020, o republicano Glenn
Younkin acaba de eleger-se governador falando sem
cessar na onda recordista de homicídios.
Nekima Levy Armstrong, advogada de direitos civis,
reagiu aos resultados do plebiscito apontando o dedo à
esquerda democrata, que prefere o "exibicionismo
político" ao árduo trabalho de reformar a polícia. "Vidas
negras precisam ser valorizadas não apenas quando
injustamente tiradas pela polícia mas também quando