GUSTAVO POLI - A jumência dos apressados
Banco Central do Brasil
O Globo/Nacional - Esportes
sábado, 13 de novembro de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas
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Autor: GUSTAVO POLI
Em julho deste ano, Botafogo e Vasco patinavam na
Série B e pensavam em demitir seus treinadores. O
Botafogo agiu primeiro. Rifou Marcelo Chamusca e
deixou vazar que estava atrás de Lisca, recém-saído do
América-MG. A torcida adorou. Foi para as redes cantar
Lisca-doido-tem-que-respeitar. O Vasco percebeu o
movimento, ejetou Marcelo Cabo e fechou antes com o
treinador. Os vascaínos deliraram. Lisca era desejo
unânime. O Botafogo, de pincel na mão, foi atrás de
Enderson Moreira. Quatro meses depois, o Botafogo de
Enderson surrou o Vasco de Fernando Diniz em São
Januário e ficou muito perto da Série A. Lisca? Durou 12
jogos e 45 dias em São Januário. O fracasso da
unanimidade foi retumbante. Nelson Rodrigues dizia
que toda unanimidade é burra.
Nem todas são. Mas as unanimidades aceleradas de
hoje costumam combinar a jumência dos apressados
com um apetite por justiçamento instantâneo. Nesses
tempos sociais, temos unanimidades simpáticas - como
a que defendeu o menino santista que pediu a camisa
do goleiro do Palmeiras. Temos unanimidades vorazes -
como a que rifou Leonardo Gaciba. E temos também as
tempestades inclementes - tipo essas que sobrevoam o
banco do Flamengo pós-Jesus. Renato Gaúcho está
nessa chuva. A se acreditar no que se lê e ouve -
Renato é desprovido de virtudes.
Depois de um início avassalador e da conquista da vaga
na final da Libertadores, seu time patinou. Foi eliminado
na Copa do Brasil e andou de lado no Brasileiro.
Renato, como Rogério Ceni antes dele, sofre com
calendário e desfalques. Arrascaeta, talvez o melhor
jogador em atividade no Brasil, não joga há eras. À zaga
titular atuou duas vezes. O Fla-Renato tem questões,
claro, mas outro dia derrotou o líder Atlético-MG no
Maracanã num jogo de anulação mútua.
Cabe discutir a qualidade tática e as capacidades de
Renato? Sim, claro - é o papel do analista - muito além
do resultadismo. Mas todo cuidado é pouco com
qualquer unanimidade. Anos de futebol indicam que não
há nada melhor para um favorito do que virar zebra. De
repente, o Palmeiras em ótima fase só ganha. O
Flamengo, que tem o melhor time, está em crise.
Quantas vezes você já viu ou ouviu essa história antes?
Mas olha... essa é uma unanimidade inofensiva. O
bicho perigoso mora em outro lugar. Hoje, o torcedor de
futebol recebe informação, debate seu clube e torce
pelo grupo de Whatsapp, pelo Twitter, até pelo
Instagram. Esse fenômeno exacerbou o sentimento
tribal. No grupo de zap de qualquer time, a conspiração
é uma verdade inconteste. O juiz é sempre ladrão. Há
sempre uma armação. A imprensa está sempre contra,
além de ser injusta e parcial. Essa cascata universal se
alimenta e retroalimenta de recortes que vacinam o
torcedor contra as nuances da realidade. O fanático fica
imunizado contra a verdade indesejada.
Isso possibilita uma sensação de injustiça que autoriza
os instintos mais primitivos. Com nervos mais que
aflorados, não é surpresa a epidemia de agressividade
em muitas direções. O torcedor radicalizado - seja de
clube ou político - parece membro de uma seita. É