Clipping Banco Central (2021-11-25)

(Antfer) #1

É um contrassenso proposta que revoga a PEC da Bengala


Banco Central do Brasil

O Globo/Nacional - Opinião
Thursday, November 25, 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Desafia o bom senso e os fundamentos da democracia
a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que
antecipa para os 70 anos a idade de aposentadoria dos
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), aprovada
na terça-feira na Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ) da Câmara, por 35 votos a 24. De autoria da
deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), essa PEC
tem dois objetivos nefastos.


O primeiro - e mais evidente - é a tentativa de vingança
contra os ministros do Supremo pela suspensão do
orçamento secreto, instrumento que o governo vinha
usando para comprar votos no Parlamento.
Determinada por uma liminar da ministra Rosa Weber
referendada por oito votos a dois no plenário do STF, a
interrupção do pagamento das emendas do relator do
Orçamento travou o mecanismo que permitia repassar,
ao largo dos organismos de controle e fiscalização,
verbas a parlamentares que apoiassem os projetos de
interesse do governo.


O segundo objetivo é ainda mais pernicioso. Trata-se de
uma manobra para, com a aposentadoria de mais dois
ministros que já completaram 70 anos - Ricardo


Lewandowski e a própria Rosa -, Bolsonaro indicar
outros dois nomes ao STF, estendendo seus tentáculos
na mais alta Corte do país, hoje contrapeso mais
consistente a seus arroubos autoritários. Ele já tem um
aliado automático no ministro Nunes Marques, e foi
enfim marcada para a semana que vem a sabatina no
Senado do ex-advogado-geral da União André
Mendonça, seu segundo indicado. Com outros dois
ministros alinhados ao bolsonarismo, decerto o
Supremo assumiria configuração mais dócil.

O aparelhamento dos tribunais, em especial das Cortes
superiores, é capítulo fundamental no manual dos
autocratas contemporâneos. Foi usado para ampliar os
poderes do chefe de Estado em países como
Venezuela, Hungria e Polônia. Os meios mais comuns
para subjugar as Supremas Cortes têm sido a
aposentadoria precoce dos ministros ou a ampliação no
número de cadeiras no tribunal - ambos usados por
futuros ditadores para minar a democracia em sua base.
Não é tolerável que esse tipo de ideia prospere aqui no
Brasil.

Não bastasse isso, a PEC tem outra característica
nociva: busca desfazer uma decisão já tomada pelo
Parlamento em 2015, quando a idade de aposentadoria
dos ministros foi estendida aos atuais 75 anos. É
lamentável que alterações da Constituição em pauta no
Congresso sejam tentativas de voltar atrás em temas já
decididos e desfazer avanços consolidados. Deveria
haver um mínimo de consistência. Corrigir erros no texto
constitucional é aceitável, mas o Parlamento não pode
ficar usando PECs a toda hora para fazer costuras de
conveniência. É um vaivém que põe em questão a
credibilidade de um instrumento crucial na democracia.

Antes de 2015, no debate da proposta então conhecida
como PEC da Bengala, ficou claro que o aumento na
expectativa de vida da população e o caráter
intrinsecamente intelectual do trabalho justificavam a
extensão do período em que ministros do STF podem
servir (nos Estados Unidos, nem existe aposentadoria
compulsória, e há ministros que escolhem trabalhar até
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