Mundo em Foco Extra - Água (2019-07)

(Antfer) #1

tado. “A maior demanda de água é
da agricultura e a escassez preju­
dica totalmente a atividade. Tudo
é afetado pelo clima. Dependendo
da continentalidade, a influência
maior vem dos centros de alta pres­
são das massas de ar que impedem
a umidade do oceano de entrar no
continente, ocasionando a falta de
chuvas”, explica o especialista.


Para o professor Ricardo Toledo
Silva, titular da Faculdade de Arqui­
tetura e Urbanismo (FAU), da USP, a
crise hídrica não reside no modelo
brasileiro de gestão dos recursos hí­
dricos, mas na forma como o siste­
ma é administrado. O especialista,
que também é secretário­adjunto
de Energia e Mineração do Estado
de São Paulo, lamenta a mudança


n Shutterstock

de foco na discussão sobre a escas­
sez. “Não há justificativa para a po­
larização política que se criou em
torno da gestão da água, particu­
larmente em relação a São Paulo, a
partir da severa escassez de 2014.
A Agência Nacional de Águas é
uma entidade de alta respeitabili­
dade técnica, conta com quadros
de primeira linha, porém a direção
tem se notabilizado pela manipu­
lação política dos fatos e das so­
luções aplicáveis”, destaca o pes­
quisador. “Isso acaba gerando uma
falsa impressão de crise no modelo
de gestão, quando, na verdade, ela
acontece no âmbito de medidas es­
pecíficas”, acrescenta.

Na avaliação do professor da
FAU, o Brasil não apresenta, de
modo geral, uma gestão eficiente
de recursos hídricos em áreas urba­
nas. “O grande desafio no setor está
na integração entre disponibilida­
de (quantidade), qualidade e usos
da água. Os comitês de bacia têm
como atribuição estabelecer priori­
dades e metas em relação a essas
três variáveis. Mas os comitês não
têm, e nem poderiam ter, autori­
dade para obrigar a execução das
medidas que recomenda”, explica
Ricardo Toledo Silva. “Ocorre que
a gestão de águas brutas é com­
petência dos Estados (ou da União,
nos casos de bacias interestaduais)
e grande parte dos usos urbanos
pertence à competência munici­
pal. As instâncias regionais – regi­
ões metropolitanas, aglomerações
urbanas e microrregiões – são teo­
ricamente competentes para resol­
ver essas articulações, em conjunto
com o sistema de gestão de recur­
sos hídricos. No entanto, o grau de
maturação dessas instâncias ainda
é incipiente em grande parte dos
complexos urbanos brasileiros, o
que torna difícil articular a gestão
das águas com os serviços para os
usuários”, analisa o docente.

Segundo o pesquisador Luis An­
tonio Bittar Venturi, na Região Me­
tropolitana de São Paulo, algumas
represas do Sistema Cantareira
quase secaram porque se retirava
muito mais água do que o ritmo de
reposição natural do reservatório,
que abastecia, sozinho, cerca de 9
milhões de habitantes. “Os gestores
culpam o clima. Por que os outros
sistemas não registraram números
alarmantes, já que estamos sob o
mesmo clima e na segunda região
mais úmida do país?”, questiona
Luis Antonio Bittar Venturi. “Não é
possível conceber uma metrópole
como São Paulo dependendo da na­
tureza: se chove, tem água; se não
chove, não tem; se chove muito,
inunda”, conclui.

Quando se considera a água do
Brasil, como um todo, há diferenças
significativas, que variam de caso a
caso, segundo o pesquisador Ricar­
do Toledo Silva. Nas regiões metro­
politanas mais antigas, instituídas
anteriormente à Constituição de
1988 (São Paulo, Rio de Janeiro, Re­
cife, Salvador, Curitiba, Belo Hori­
zonte, Belém, Natal e Porto Alegre),
tende a existir uma maior integra­
ção entre a gestão de águas em es­
tado bruto (os recursos hídricos) e
os serviços associados ao uso dos
recursos (abastecimento de águas,
esgotamento sanitário, controle de
inundações, aproveitamento ener­
gético, irrigação e uso paisagístico).

Quanto à administração das
águas, o professor da USP projeta
como uma oportunidade a tentativa
de evolução para o modelo de gestão
integrada e compartilhamento da
infraestrutura hídrica, de forma que
diversos serviços se beneficiem de
investimentos comuns. “Um exem­
plo é o complexo hidroenergético
Pinheiros­Billings, em São Paulo, so­
bre o qual se procura resgatar essa
dimensão integradora”, constata.
Free download pdf