34 Le Monde Diplomatique Brasil^ JANEIRO 2022
MÚSICA
Como é a vida profissional de um artista festejado pela crítica e por seu público,
mas que é ignorado pelas rádios e pela televisão? Quais questões – íntimas, sociais,
políticas – são suscitadas pelo sucesso limitado? Um cantor estampado como
“de qualidade” procura responder a essas questões
POR PASCAL BOUAZIZ*
Artista, eu sou um luxo...
E
u me chamo Pascal Bouaziz. Sou
cantor. Tenho 49 anos. Vou falar
de mim. É o único assunto sobre o
qual considero ter certa compe-
tência. Digo que sou cantor, mas desde
meus 30 anos fui muitas outras coisas
paralelamente. Nem sempre é fácil ser
apenas cantor. Na verdade, para a
maioria dos músicos, é muito compli-
cado. Há poucos anos, graças à minha
banda, pude novamente me dar ao luxo
de voltar a ser um verdadeiro artista em
tempo integral: um intermitente do es-
petáculo.^1 Já tinha sido, quando jovem,
um trabalhador temporário, esporádi-
co – um ano empregado e meses sem
emprego, períodos intermináveis na
miséria, endividado e sem um tostão...
com o banco que suga seu sangue com
juros exorbitantes (todos os parasitas
decidem viver, de preferência, em cor-
pos doentes). E vem a angústia, cada
vez que você insere seu cartão no caixa
eletrônico. Ser cantor é complicado.^2
Recentemente, consegui acumular o
número suficiente, necessário, de horas
de trabalho puramente artístico – núme-
ro colossal para a maioria dos músicos.
Desde então, todo mês, o Pôle Emploi
Spectacles me faz o pagamento de um
seguro-desemprego no valor de 1.290
euros – ou seja, uma diária de 43 euros.
Não é muito. Não é muito para quem
tem crianças e vive em Paris. Chega a ser
quase impossível, mas não me queixo.
O sistema é suficientemente singular e
magnífico para que se possa reclamar.
Desde os meus 25 anos faço parte
de uma banda chamada Mendelson.
Uma banda relativamente consagrada
e aclamada por certa crítica esclareci-
da – e completamente ignorada por ou-
tra muito diferentemente esclarecida. A
banda é ardentemente apoiada por um
punhado de happy few, algumas cen-
tenas de pessoas espalhadas na França
que acompanham a banda e suas aven-
turas com uma constância que, às vezes,
me emociona. A Mendelson é muito
pouco difundida nas rádios. A Mendel-
son faz poucas apresentações. A Men-
delson tem muita dificuldade de achar
datas para apresentações. Por quê? Falta
de coragem dos responsáveis pelas pro-
gramações de espetáculos? Pouco públi-
co? Custo exorbitante de nossos baixos
salários? Provavelmente devo ser o mais
preocupado com essa questão e quem
menos está em condições de poder
responder a ela – da mesma forma que
alguém que se afoga é o último a achar
uma solução para seu afogamento. Além
disso, é provável que a maior parte das
hipóteses que eu poderia formular pas-
saria uma ideia de enorme vaidade e
pretensão pessoal: se acreditasse em
mim, o mundo inteiro estaria enganado
e eu, sozinho contra todos, teria razão. A
verdade é que a Mendelson é uma ban-
da que faz o que se chama de rock, de
verdadeiro rock, que às vezes faz muito
barulho, mas que canta em francês e
cujas letras têm – pelo menos a nossos
olhos – uma importância capital. Uma
espécie de contradição nos termos...
quando a maioria dos enormes sucessos
da música pop de nossa geração – aque-
les que enchem as salas de espetáculo,
monopolizam as ondas de rádio e as
revistas – parece muito mais canções
para crianças – para ser educado – do
que rock de vanguarda: “J’ai demandé
à la lune” [Eu pedi à Lua], “Je t’emmè-
ne au vent” [Eu te levo ao vento], “Je dis
aime, et je le sème sur ma planète” [Eu
digo amo e o semeio em meu planeta];
um vocabulário que poderia ter vindo
da coleção de livros infantis. Esses can-
tores são provavelmente muito gentis,
mas suas letras são de uma tal... Como
dizer de forma elegante? De uma tal... de
uma tal gentileza, digamos, que se man-
têm anos-luz do que tentamos fazer, nós
e alguns outros franco-atiradores. Talvez
a França continue a ser eternamente o
país do iê-iê-iê – letras pobres, sorrisos
liberais em todos os sentidos do termo e
enorme campanha de publicidade. Para
um cantor da dúvida como eu, para um
autor de canções que, às vezes, passa
vários anos com uma única letra, viver
e sobreviver em um país que enterrou
o cantor e compositor Johnny Hallyday
como um tesouro nacional é um absur-
do atrás do outro.
Quando se pensa nisso, a canção na
França é realmente um mundo à parte.
Da mesma maneira que, às vezes, pa-
rece possível, no teatro, no cinema, na
literatura, manifestar uma grande exi-
gência, propor obras difíceis, mordazes,
ácidas e até mesmo nitidamente depri-
mentes, e encontrar seu público, nume-
roso e pretensioso (o dramaturgo Julien
Gosselin, o cineasta Bruno Dumont, o
saudoso Joseph Ponthus, autor de À la
ligne...), parece que, na canção, estamos
eternamente condenados ao refrão, à
canção idiota, ao refrão feel good para
supermercado... Sobretudo, não atrapa-
lhar, não atormentar, não provocar rea-
ção. Provavelmente é o que faz os res-
ponsáveis pela programação das salas
francesas terem má vontade de incluir a
Mendelson na programação – entre ou-
tras. Eles temem por seu público. O po-
bre poderia ser levado a sentir algo du-
rante o espetáculo. O responsável pela
programação precavido postula que o
público quer apenas “mexer as cadei-
ras” e “esfriar a cabeça”.
Em suma, quando lançamos um
álbum a cada três ou quatro anos, é
extraordinário que encontremos uma
quinzena de datas na França para cantar
as músicas desse álbum para o público.
E seria preciso, no mínimo, 43 apresen-
tações por ano – e não uma quinzena de
quatro em quatro anos – para obter os
direitos de renovação dessa famosa in-
termitência. Quando a Mendelson tem
a chance rara de poder se apresentar
em público, recebo um salário líquido
de 100 euros, ou seja, um pouco mais
que o salário mínimo sindical, que anda
em torno de 80 euros líquidos. “Quanto
você ganha em dinheiro para a apre-
sentação?”, me perguntou meu filho de
12 anos. Tentei lhe responder de forma
© Giorgia Massetani