38 Le Monde Diplomatique Brasil^ JANEIRO 2022
NOVAS NARRATIVAS DA WEB
Sites e projetos que merecem seu tempo
CORONÁRIO
Palavras, termos e lugares, como ál-
cool gel, máscara, cloroquina e Wuhan,
entraram para o vocabulário cotidiano.
Home office, Zoom, auxílio emergen-
cial, lives e EPIs são outras palavras-
-chave do momento. Em conjunto, indi-
cam que a pandemia criou um espectro
de novas linguagens e representações.
Serão rapidamente esquecidas, de-
letadas, apagadas da memória ou se
consolidarão? O projeto da artista e
pesquisadora Giselle Beiguelman, pro-
fessora da Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo da Universidade de São
Paulo, foi realizado pelo Instituto Mo-
reira Salles Convida e traz uma nuvem
de calor e explicações sobre o novo lé-
xico de 2021.
https://coronario.ims.com.br
DESIGN CONTRA FAKE NEWS
O Pantone político é um projeto criado
pela designer Didiana Prata, que joga
luz (e cor) no apocalipse político e pan-
dêmico desde 2020. Dez cards diários,
com as notícias “de verdade” que tive-
ram mais engajamento no Twitter, são
publicados em tempo real. Funciona
24 horas por dia, publicando sempre
uma imagem com título + link da notí-
cia. No Instagram é @pantonepolitico.
https://calendario-frontend.he-
rokuapp.com/pantone
O FUTURO DO TEATRO
Performances audiovisuais tiveram um
encontro com o ambiente digital bas-
tante impressionante e criativo nestes
tempos de isolamento. Organizados
pela Royal Shakespeare Company,
um grupo de quinze organizações de
especialistas e pioneiros nas tecno-
logias imersivas conversaram sobre
teatro, realidade virtual, a indústria da
música, games e a pesquisa de ponta
no setor. O que significa o teatro com
realidade aumentada? Como pode
ser uma peça com a plateia interativa
através do Zoom? Algumas respostas,
mas muitas perguntas, todas disponí-
veis (em inglês).
https://findingsinthefuture.live/
[Andre Deak] Diretor do Liquid Me-
dia Lab, professor de Jornalismo e Ci-
nema na ESPM, mestre em Teoria da
Comunicação pela ECA-USP e douto-
rando em Design na FAU-USP.
livros internet
O
livro lançado pela Coleção Dramaturgia é, nas
palavras dos próprios autores, uma peça “es-
crita na urgência dos acontecimentos políticos do
Brasil no ano de 2021”. O tempo é um futuro próxi-
mo, muito próximo: outubro de 2022, época em que
perduram as ameaças da pandemia (há uma nova
cepa, dez vezes mais contagiosa), mais exatamen-
te no dia do último debate do segundo turno das
eleições presidenciais entre Luiz Inácio Lula da Sil-
va e Jair Messias Bolsonaro. O cenário é o terraço
de uma estação de TV, onde os jornalistas Marcos,
editor do telejornal da noite, e Paula, apresentadora
do mesmo noticiário, se encontram em pausas para
cafés, cigarros e conversas sobre o próprio debate,
as eleições, posições políticas, paixões e ideias, e
suas – também nossas – vidas.
H
aiti e constitucionalismo não costumam ser pa-
lavras que se acompanham em noticiários ou
faculdades de Direito. O que sabemos sobre o Hai-
ti? “O Haiti é aqui”, missões da ONU, terremotos...
tragédias. Quanto a constitucionalismo, falamos
cada vez mais em Constituição e realizamos cada
vez menos. Com a aplicação jurídica da bravata de
que “toda interpretação é subjetiva”, a desconstitui-
ção avança difusamente.
Para começar, o livro permite tanto conhecer um
pouco mais sobre o Haiti quanto compreender as
constituições como resultantes de disputas e nego-
ciações e cujo objetivo é garantir direitos fundamen-
tais e estabelecer instituições estáveis para que
desequilíbrios de forças e novas disputas políticas
não comprometam esses direitos. Entretanto, esse
não é o propósito de Maria do Carmo Rebouças dos
Santos. O livro, na realidade, é sobre como certas
escolhas inscritas nas constituições do período re-
volucionário haitiano são uma apropriação situada
e anticolonial de categorias do constitucionalismo
moderno. É, igualmente, sobre os motivos da igno-
rância acerca desse movimento constitucional.
MISCELÂNEA
O DEBATE
Guel Arraes e Jorge Furtado,
Cobogó
CONSTITUCIONALISMO E JUSTIÇA EPISTÊMICA:
O lugar do movimento constitucionalista Haitiano de 1801 e 1805
Maria do Carmo Rebouças da Cruz Ferreira dos Santos,
Telha
Casados por vinte anos e recém-separados, Pau-
la, 42, e Marcos, 60, tentam se adaptar às trans-
formações de sua relação, do país e do mundo. Em
discussões acaloradas, tão contundentes quanto
hilárias, antes, durante e depois do debate entre os
presidenciáveis, eles falam, ouvem, discordam, con-
cordam, voltam a discordar, além de, diante da (im)
possibilidade de isenção da imprensa, lidar com o
conflito de fazer jornalismo em tempos de desinfor-
mação, manipulação e notícias falsas.
Afirmações e réplicas rápidas trocadas entre seus
dois únicos personagens fazem de O debate, lite-
ralmente, um debate. Ao longo do texto, os autores
deixam claras a importância e a necessidade do diá-
logo entre diferentes – não como disputa ou con-
vencimento, mas como uma reflexão sobre o mundo
e um caminho para a (re)construção da sociedade
em que vivemos.
O debate é o casamento perfeito do talento de
dois dos mais importantes roteiristas e diretores
brasileiros das últimas décadas. Guel Arraes e Jor-
ge Furtado juntam forças para oferecer ao público
uma peça ao mesmo tempo leve e pungente, urgen-
te e bem-humorada, que dialoga diretamente com o
estranho espírito do nosso tempo.
[João Veiga] Jornalista.
Como bem diz o professor Kabengele Munanga,
que prefacia o texto, “dever-se-ia, na formação dos
especialistas em Direito, incluir outras experiências
que se libertaram do jugo colonial”. De fato, não se
deve esquecer que a Proclamação da Independên-
cia brasileira se caracterizou menos por rupturas e
mais por continuidades, especialmente viabilizadas
pela homogeneidade cultural de uma elite para a
qual muito contribuiu a formação jurídica.
O livro de Santos expõe e articula, generosamen-
te, conceitos teóricos pouco trabalhados em cursos
de Direito – racismo, cronopolítica, injustiça epistê-
mica –, visibiliza o movimento constitucional da Re-
volução Haitiana e abre um programa de pesquisa
sobre o constitucionalismo amefricano. Percebo-o
como “um modo de romper o silêncio imposto, ou
ainda executar um gesto de teimosa esperança”.
[Lidyane Ferreira] Professora adjunta da Universida-
de Federal do Sul da Bahia (UFSB), doutora em Direi-
tos Fundamentais na Sociedade Global pela Università
di Camerino e mestre em Ciências Jurídicas: Direitos
Humanos pela Universidade Federal da Paraíba.