Exame - Portugal - Edição 452 (2021-12)

(Maropa) #1

  1. EXAME. DEZEMBRO 2021


Macro


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possível, por exemplo, criar uma “exceção
verde”, que excluísse esses gastos das con-
tas de Bruxelas?
Carlos Marinheiro tem dúvidas. Em-
bora reconheça a necessidade de níveis
muito elevados de investimento (público
e privado) nos próximos anos, acha que dar
um tratamento diferente a certos gastos “é
um convite para a contabilidade criativa”.
“Existe sempre uma tentativa irresistível
de classificar enquanto investimento, que
está fora da regra, aquilo que na realidade
é despesa corrente”, acrescenta.
Demertzis tem dúvidas diferentes. “Há
países sem espaço orçamental. Essa exce-
ção faria diferença, mas não seria suficien-
te”, prevê. Mas, seja com esta ou outra so-
lução, a economista tem a certeza de que,
sem mudanças, a UE terá de sacrificar uma
trave-mestra da sua agenda. “Se os países
não conseguirem investir, a Europa não será
capaz de cumprir as suas ambições verdes.”
Uma possibilidade mais ambiciosa
para contornar a falta de margem finan-
ceira de alguns países seria a criação de


um instrumento orçamental permanen-
te, comum a todos os países da UE, e que
estivesse orientado apenas para a transição
energética. Uma espécie de PRR sem pra-
zo de validade e virado só para o clima. “É
a única forma de tornar este círculo um
quadrado. É uma solução interessante, até
porque já temos o modelo”, diz Demertzis.
Teria a vantagem de centrar em Bruxe-
las a definição daquilo que é “verde” ou não,
escapando à tal tentação de contabilidade
criativa. Mas seria de aprovação muito di-
fícil. Se o PRR, que é provisório e responde
a uma pandemia, já levou muitos países ao
limite negocial, seria de esperar uma opo-
sição ainda mais aguerrida a esta solução.
Algumas capitais europeias já come-
çaram a posicionar-se para o debate mais
imediato sobre o que fazer com as regras.
Vários países do Sul com contas mais frá-
geis, entre os quais Portugal, pedem uma
reforma urgente (ver entrevista ao minis-
tro das Finanças), enquanto o grupo dos
frugais defende um regresso o mais rápido
possível às regras. A Áustria tem sido espe-

cialmente vocal, mas também estão nessa
trincheira Holanda, Dinamarca e Suécia.
Neste debate será decisivo perceber
qual será a postura do novo governo ale-
mão, o que, na altura em que este texto é
escrito, ainda não é claro. A vitória do SPD
e a coligação com os Verdes sugere uma
postura mais tolerante em relação às regras
orçamentais, mas esse acordo estende-se
também aos liberais do FDP, que são bas-
tante conservadores na gestão das contas.
Berlim deverá funcionar como árbitro.
Tal como a UE nos tem habituado, an-
tecipa-se um impasse negocial difícil de
resolver, em que mesmo a manutenção
do statu quo pode ameaçar a credibilida-
de das regras que tenta proteger. No en-
tanto, os últimos tempos mostraram uma
UE capaz de tirar alguns coelhos da carto-
la. “Há dois anos, eu diria que nunca emi-
tiríamos dívida em comum. Mas foi isso
que fizemos”, diz Demertzis. A meses do
30º aniversário da assinatura do Tratado
de Maastricht, poderemos voltar a ser sur-
preendidos? E
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