106. EXAME. DEZEMBRO 2021
Opinião
> Presidente da direção da Associação
Portuguesa de Criatividade
e Inovação – APGICO
POR
FERNANDO CARDOSO
DE SOUSA
S
abendo nós que
a investigação
industrial cons-
tituiu a inova-
ção principal na
gestão empresarial do século
XX, fica-nos a sensação de que
esse facto nos passou um pou-
co ao lado, muito por causa de
alterações organizacionais con-
secutivas. Resta saber se essa
tendência se mantém ou se se
alterou significativamente.
Só no último quartel do sé-
culo XIX, empresas químicas
alemãs realizaram investigação
com a finalidade de produzir
inovações nos corantes e, por
alturas da Grande Guerra, a in-
venção tinha-se transforma-
do numa atividade sistemática,
introduzindo a expressão I&D
no léxico empresarial. Os EUA,
com o projeto Manhattan (bom-
ba atómica), definiram um tipo
de financiamento do Estado em
que nove em cada dez dólares de
investigação eram gastos com a
Defesa, chegando os fundos fe-
derais a dois terços do total, em
1968, vésperas da alunagem. Este
procedimento gerou o chamado
modelo linear de inovação, em
que a tecnologia valia por si e ti-
nha venda garantida, cabendo
à universidade o conhecimento
fundamental e a aplicação à in-
dústria e ao aparelho militar. Em
1980, a indústria norte-ameri-
cana tinha assumido dois terços
das despesas e, em 2000, 90%
dos custos, intensificando-se as
cimento eram os departamentos
de engenharia de produção.
No início deste século, as
despesas em I&D das empre-
sas representavam 22% do total
(65% era a média europeia) e,
em 2005, o Estado atribuía à in-
vestigação 0,8% do PIB, que du-
plicou em 2007, com a maioria
do investimento a ser privado.
Atualmente, o financiamento
mantém-se nesse valor, caben-
do às empresas 57% e o restante
aos fundos comunitários e naci-
onais, em partes idênticas.
Sem prejuízo da existên-
cia de exemplos de excelência
na introdução de inovações no
mercado e de o investimento
em I&D estar próximo da média
europeia, a multiplicação das
entidades coordenadoras e dos
centros de investigação (mais de
meio milhar públicos e de quatro
mil privados) não deixa antever
que a inovação junto do merca-
do melhore na mesma propor-
ção. A situação da contratação
de doutorados pelas empresas,
por exemplo, sendo inferior a
1%, ilustra bem a situação global.
O sistema nacional de ino-
vação complexificou-se de tal
forma que tentar colocá-lo ao
serviço do desenvolvimento
económico parece quase im-
possível, a não ser abdicando
de muitos dos índices quantita-
tivos, que parecem ter-se torna-
do o objetivo principal, tal como
acontece com os pontos das pu-
blicações académicas. E
Investigação industrial
e inovação em Portugal
Uma viagem pela evolução dos processos de inovação,
com foco nas decisões públicas da segunda metade
do último século, em Portugal
preocupações comerciais, com
metas de curto prazo. Esta nova
visão da I&D teve origem nova-
mente em empresas químicas
alemãs, que começaram a re-
duzir ou a eliminar os grandes
laboratórios e a alargar a colabo-
ração a fornecedores, distribu-
idores e até concorrentes, num
percurso notável de evolução.
Em Portugal, a primeira ini-
ciativa dirigida à indústria como
um todo, por parte do Estado,
teve lugar com a constituição do
Instituto Nacional de Investiga-
ção Industrial (que chegou a ter
nove laboratórios dispersos por
Lisboa), fundado pelo então se-
cretário de Estado da Indústria,
António Magalhães Ramalho,
em 1957. Em 1977, foi integra-
do no LNETI, que, em 1992, deu
lugar ao INETI, substituído pelo
LNEG em 2006, que ainda hoje
se mantém.
Paralelamente, e em resul-
tado das políticas definidas pela
OCDE, favoráveis a grandes la-
boratórios do Estado, do tipo
LNEC, surgiu a JNICT, em 1967,
que absorveu depois (1992) o
INIC, fundado em 1976. A ade-
são à CEE veio trazer mudan-
ças significativas e, em 1989, a
JNICT perdeu a sua autonomia,
dando depois (1997) lugar à FCT.
Entre 1990 e 1993, foram cria-
das a Agência de Inovação e a
Agência Nacional para a Cultura
Científica e Tecnológica.
À data do INII, um dos pou-
cos laboratórios privados de in-
A investigação
não é exclusiva
dos organismos
criados para
o efeito,
existindo
em qualquer
equipa em que
o conhecimento,
a liderança
e a vontade
de melhorar
se verifiquem
vestigação existentes pertencia à
CUF (fundado em 1959), extin-
to em 1965 segundo parecer da
consultora McKinsey, que con-
siderou que uma empresa que
apenas adotava tecnologia não
necessitava de I&D. Esta decisão
teve consequências importantes
na opção de várias empresas em
não constituírem centros de in-
vestigação. De referir que o facto
de a I&D não estar conveniente-
mente organizada em organis-
mos públicos ou privados não
quer dizer que não existisse nas
empresas. Com efeito, a inves-
tigação não é exclusiva dos or-
ganismos criados para o efeito,
existindo em qualquer equipa
em que o conhecimento, a lide-
rança e a vontade de melhorar
se verifiquem. No caso de várias
empresas, os centros de conhe-