O que quer que fosse antes de começar.
A.H.
Ainda ajoelhado no chão, leu o poema mais uma vez. Segurou o papel junto
ao coração, que acelerava dentro do peito. Olhou pela janela para se certificar de
que ninguém estava vindo pela estradinha... Não que alguém realmente fosse vir,
por que viria? Mas para ter certeza. Então abriu a caixa menor, já sabendo o que
iria encontrar. Ali, cuidadosamente disposto sobre um leito de algodão, estava o
colar de concha que Chase usara na noite da sua morte.
Tate passou muito tempo sentado diante da mesa da cozinha, absorvendo
aquilo, imaginando-a pegando o ônibus de madrugada, aproveitando a correnteza,
planejando de acordo com as fases da lua. Chamando Chase baixinho no escuro.
Empurrando-o de costas. Então, agachada na lama lá embaixo, levantando a
cabeça pesada do morto e pegando o colar de volta. Cobrindo as próprias pegadas,
sem deixar rastro algum.
Partindo gravetos em pedacinhos bem pequenos, ele acendeu o velho fogão a
lenha e então queimou os poemas, um envelope de cada vez. Talvez não
precisasse queimar todos, talvez devesse ter destruído só aquele, mas não estava
raciocinando direito. Os papéis velhos e amarelados produziram um tchuf de quase
meio metro de altura antes de virarem cinzas. Ele tirou a concha do cordão de
couro, jogou o fio no fogo e recolocou as tábuas do piso no lugar.
Então, quase no crepúsculo, foi até a praia e parou em um leito afiado feito de
fragmentos brancos e partidos de moluscos e caranguejos. Encarou por um
segundo a concha de Chase na palma da mão aberta, então a deixou cair na areia.
Igual a todas as outras, ela desapareceu. A maré estava subindo e uma onda cobriu
seus pés, levando centenas de conchas de volta para o mar. Kya tinha sido daquela
terra e daquela água, e agora iriam levá-la de volta. Guardar lá no fundo os seus
segredos.
Então vieram as gaivotas. Ao vê-lo ali, elas voaram em espirais acima da sua
cabeça. Chamando. Chamando.
Enquanto anoitecia, Tate caminhou de volta até o barracão. Chegando à lagoa,
porém, parou debaixo do toldo imenso e ficou observando centenas de vaga-
lumes piscando até os confins escuros do brejo. Em um lugar bem longe daqui,
onde cantam os lagostins.