Um lugar bem longe daqui

(Carla ScalaEjcveS) #1

encontrou os olhos da menina, onde ela própria estava refletida exatamente como
qualquer outra criança.
Kya passou o guardanapo para a mão esquerda e estendeu devagar a direita em
direção à menina.
— Ei, saia daí!
De repente, a Sra. Teresa White, esposa do pastor metodista, saiu correndo
pela porta da sapataria Buster Brown.
Barkley Cove caprichava no quesito religião. Por menor que fosse, o vilarejo
tinha quatro igrejas, e isso só para os brancos; os negros tinham mais três.
Naturalmente, os pastores e ministros, e com certeza suas esposas, ocupavam
posições muito respeitadas na cidade, e sempre se vestiam e se comportavam de
forma condizente com isso. Teresa White muitas vezes usava saias em tom pastel
e blusas brancas, além de sapatos de salto alto e bolsa combinando.
Ela se aproximou depressa da filha e a pegou no colo. Afastando-se de Kya,
pôs a menina de volta na calçada e agachou-se ao seu lado.
— Meryl Lynn, querida, não chegue perto dessa menina, ouviu bem? Ela é
suja.
Kya observou a mãe passar os dedos pelos cachos da menina, prestando atenção
em quanto tempo as duas ficaram se encarando.
Uma mulher saiu do Piggly Wiggly e foi rapidamente até Teresa.
— Teresa, você está bem? O que houve aqui? Essa menina estava
incomodando Meryl Lynn?
— Eu vi a tempo. Obrigada, Jenny. Eu queria que essa gente não viesse à
cidade. Olhe só para ela. Imunda. Que nojo. Tem uma gastroenterite correndo
por aí, e tenho certeza de que veio deles. No ano passado eles trouxeram aquele
caso de sarampo, e isso é muito sério.
Teresa se afastou segurando a menina pela mão com força.
Nesse exato instante, Pa, que trazia uma garrafa de cerveja dentro de um saco
de papel pardo, chamou atrás dela:
— Que que você está fazendo? Vem, temos que dar o fora daqui. A maré está
baixando.
Kya se virou e foi atrás dele. Enquanto voltavam para casa pelo brejo, ela ficou
relembrando os cachos e os olhos da mãe e da filha.
Pa ainda sumia de vez em quando e passava vários dias sem dar as caras, mas
não com a frequência de antes. E quando aparecia não caía de bêbado, em vez
disso comia e conversava um pouco. Certa noite, eles jogaram cartas, ele morreu
de rir quando ela ganhou, e Kya deu risadinhas com as mãos diante da boca feito
uma menina normal.


*


Toda vez que descia da varanda, Kya olhava para a estradinha e pensava que,
mesmo que a glicínia silvestre estivesse desbotada naquele fim de primavera e que
a sua mãe tivesse ido embora no fim do verão anterior, ainda poderia ver Ma

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