tentativa de escutar o vrrrr do barco. Então, de repente, Pa estava subindo
mancando os degraus. Toda a coragem a abandonou, e ela passou correndo por
ele, gritando que precisava ir à casinha; o jantar ficaria pronto logo. Ficou dentro
da latrina fedida com o coração disparado e subindo pela boca. Equilibrada em pé
no banco de madeira, ficou espiando pela fenda em forma de meia-lua da porta,
sem saber exatamente o que esperava.
Então a porta da varanda bateu e ela viu Pa ir depressa na direção da lagoa. Ele
seguiu direto para o barco, com uma garrafa de bebida na mão, ligou o motor e
foi embora. Ela voltou correndo para casa e entrou na cozinha, mas a carta tinha
sumido. Abriu as gavetas da cômoda dele e revirou o armário, procurando.
— Ela é minha também! Tão minha quanto sua.
De volta à cozinha, olhou na lixeira e encontrou as cinzas da carta, ainda
debruadas de azul. Com uma colher, catou-as e as dispôs em cima da mesa, uma
pequena pilha de restos pretos e azuis. Revirou pedacinho por pedacinho do lixo;
talvez algumas palavras tivessem caído lá no fundo. Mas havia apenas vestígios de
cinzas grudados na casca da cebola.
Ela se sentou diante da mesa, com o feijão ainda apitando na panela, e encarou
o montinho.
— Ma tocou nesse papel. Talvez Pa me diga o que ela escreveu. Não seja
burra... Isso é tão provável quanto nevar no pântano.
Até o carimbo do correio tinha sumido. Ela agora nunca saberia onde Ma
estava. Guardou as cinzas numa garrafinha e a colocou dentro da caixa de
charutos ao lado da sua cama.
*
Pa não voltou para casa nessa noite nem no dia seguinte. Quando finalmente
apareceu, quem entrou cambaleando pela porta foi o velho bêbado. Assim que ela
juntou coragem para perguntar sobre a carta, ele disparou:
— Num é nada da sua conta. — E então: — Ela não vai voltar, então pode
esquecer essa história.
Carregando uma garrafa, ele foi com o passo arrastado até o barco.
— Isso não é verdade — berrou Kya para as costas dele, com os punhos
cerrados junto ao corpo. Observou-o se afastar, então gritou para a lagoa vazia: —
Não se fala “num é”!
Mais tarde, ela ficaria pensando se deveria ter aberto a carta sozinha, sem ter
mostrado a Pa. Nesse caso poderia ter guardado as palavras para ler algum dia, e
para ele teria sido melhor não saber quais eram.
Pa nunca mais a levou para pescar. Aqueles dias de calor foram apenas uma
estação improvisada. As nuvens baixas tinham se aberto, o sol havia banhado o
mundo de Kya por um breve instante, e as nuvens então tinham tornado a se
fechar, escuras e cerradas.