cima do toco havia uma caixinha vermelha e branca de leite com outra pena ao
lado. O menino parecia ter aumentado a aposta. Ela foi até lá e pegou a pena.
Prateada e macia, era uma pena da coroa de um savacu-de-coroa, uma das mais
lindas do brejo. Então olhou dentro da caixa de leite. Bem enroladinhos,
encontrou alguns pacotes de sementes — de nabo, cenoura e vagem — e, no
fundo da caixa, enrolada em papel pardo, uma vela de ignição para o motor do
barco. Ela tornou a sorrir e girou o pequeno círculo. Havia aprendido a viver sem
a maioria das coisas, mas de vez em quando precisava de uma vela de ignição.
Pulinho tinha lhe ensinado alguns reparos de motor, porém cada peça exigia uma
ida à cidade e dinheiro em espécie.
Mas ali estava uma vela de ignição sobressalente para guardar até quando fosse
preciso usá-la. Um extra. Seu coração se animou. A mesma sensação de ter um
tanque cheio de gasolina ou de ver o sol se pôr sob um céu pincelado de cores.
Ela ficou totalmente imóvel tentando absorver aquilo, o significado. Havia
observado aves machos cortejando fêmeas com presentes. Mas ela ainda era muito
nova para aninhar.
Debaixo da caixa de leite havia um bilhete. Ela o desdobrou e olhou para as
palavras escritas cuidadosamente com uma letra simples que uma criança teria
conseguido ler. Kya conhecia de cor o horário das marés, era capaz de se guiar
pelas estrelas para chegar em casa, sabia cada pena que existia em uma águia, mas
mesmo aos quatorze anos não tinha condições de ler aquelas palavras.
Esquecera-se de trazer algo para deixar. Em seus bolsos só havia penas, conchas
e favas comuns, então ela voltou depressa até o barracão e parou diante da parede
de penas para escolher uma. As mais graciosas eram as penas da cauda de um
cisne-pequeno. Ela tirou uma da parede para deixar no toco na próxima vez em
que passasse por lá.
Quando começou a anoitecer, pegou o cobertor e foi dormir no brejo, perto
de um canal repleto de luar e de mariscos, e ao amanhecer já tinha enchido dois
sacos grandes. Dinheiro para gasolina. Como os sacos eram pesados demais para
carregar, ela arrastou o primeiro de volta em direção à lagoa. Embora aquele não
fosse o caminho mais curto, cruzou a clareira de carvalhos para deixar a pena de
cisne. Passou pelas árvores sem prestar atenção, e ali, recostado no toco da árvore,
estava o menino das penas. Reconheceu Tate, que tinha lhe mostrado o caminho
de casa pelo brejo quando ela era pequena. Tate, que durante anos ela havia
observado de longe sem coragem de se aproximar. Ele estava mais alto e mais
velho, claro, devia ter uns dezoito anos. Seu cabelo dourado escapulia do boné
para todos os lados em cachos e mechas soltas, e seu rosto era bronzeado,
agradável. Estava calmo e exibia um sorriso largo, o rosto inteiro radiante. Mas o
que a deixou emocionada foram seus olhos; eram castanho-dourados salpicados de
verde, e estavam fixos nos dela como os de uma garça em um peixinho-dourado.
Ela estacou, abalada com a súbita quebra das regras tácitas. A graça era essa, um
jogo em que eles não precisavam conversar ou ser vistos. Um calor subiu pelo seu
rosto.
— Oi, Kya. Por favor... por favor, não fuja. Sou... só eu... Tate — disse ele
bem baixinho e devagar, como se ela fosse burra ou algo assim.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1