Escola da Noite

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Agora.
O tipo era somali, pensou o mensageiro. Vinte e tal anos, mas já só pele e
tendões acinzentados. Primitivo, como um antepassado do homem. O
mensageiro disse:
— Não quero sair. Estou cansado. Tenho de me ir embora logo de
manhãzinha. Tenho de apanhar um voo de ligação.
— Não há escolha. Temos de sair.
— Uma casa segura serve para eu não ter de sair.
— A equipa de futebol de Kiev joga ao início da noite em Moscovo. Os bares
vão passar o jogo na televisão. Começa daqui a pouco, por causa da diferença
horária. Seria esquisito não irmos. Daríamos nas vistas.
— Vocês podem ir.
— Não podemos ter ninguém no apartamento. Hoje à tarde, não. Alguém iria
reparar. É uma rivalidade grande. É tipo uma coisa patriótica. A ideia é
integrarmo-nos aqui.
O mensageiro encolheu os ombros. As precauções necessárias assim
obrigavam. E o futebol não era mau de todo. Uma vez, já o tinha visto ser jogado
com uma cabeça humana.
— Okay — disse.
Desceram pelas escadas, um acordo tácito no sentido de não arriscarem o
elevador. Afastaram-se do mercado de flores, seguindo noutra direção, passando
por prédios de apartamentos imponentes, mas deteriorados, com ferro forjado
enferrujado e fachadas de estuque a descascar, e entrando, por entre dois deles,
numa viela que o somali afirmou ser um atalho. Era uma passagem estreita de
tijolo, ecoante e quase desconfortável, mas que, a seguir a um dos edifícios,
abria para um pequeno pátio, não muito maior do que uma sala e que se
encontrava cercado pelas partes de trás insípidas de outros edifícios, de quatro
andares. Lá bem no alto, via-se um pequeno pedaço de céu. Essa insipidez das
paredes dos prédios era interrompida por janelas falsas ou caiadas, além de
caleiras gordas e das espirais erráticas dos cabos das antenas.
Estavam três homens no pátio.

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