Escola da Noite

(Carla ScalaEjcveS) #1

Vinte e dois quilos e meio era muito peso, sobretudo quando se tinha de
repetir o processo uma série de vezes. Wiley fez uma pausa após sete unidades,
ofegante e meio dobrado. Em parte, devido aos nervos. Era uma simples tarefa
mecânica, mas, ainda assim, continuava a estar ali tudo em jogo. O momento de
exposição máxima. Mas muito mais longo do que um momento. Já se estava a
aproximar da meia hora, com lâmpadas de vapor espalhadas pelas docas antigas
e as duas carrinhas enfiadas uma na outra, traseira com traseira, numa espécie de
sodomia veicular, incluindo abanões, baques surdos e grunhidos no interior, isso
enquanto ele passava o tempo todo meio dentro e meio fora de um barracão a
cair aos pedaços e que ninguém tinha utilizado nos últimos trinta anos.
Vulnerável.
O que não era bom.
Respirou fundo, rodou os ombros, que lhe doíam, e voltou a meter mãos ao
trabalho. Arrastou o número oito pelo caixote, fazendo-o subir a borda e
atravessar o último metro do chão da carrinha velha, passando por cima do
painel de madeira plano, muito lentamente, começando a balançar até assentar
com um ruído seco, para depois continuar a deslocá-lo para a carrinha nova,
onde o deixou em pé, encostado ao número sete.
Voltou para o fundo do caixote e foi buscar o número nove. Arrastou-o cá
para fora, repetindo todo o processo anterior. Sem um único desvio. Respirou
fundo e foi buscar o número dez. O último. Desencostou-o. O livro estava
mesmo ali. Mesmo ali onde o tio Arnold lhe dissera que estaria. Um dossiê caqui
com riscas vermelhas, guardado num impecável recetáculo de contraplacado
fino, com uma meia-lua escavada para enfiar os dedos. Talvez fosse o trabalho
de um aprendiz, todos aqueles anos atrás. Na fábrica dos caixotes. O dossiê tinha
mimeografias de páginas dactilografadas e presas com fechos de latão já gastos
com a idade.
Agarrou no dossiê com uma mão e arrastou o número dez com a outra.
Colocou o dez na vertical, ao lado do nove, e enfiou o livro no meio de ambos.
Arrastou a ponte para dentro da carrinha velha e desceu a porta da carrinha nova
da parte de fora. Comprimiu-se todo para contornar o caixote vazio e saiu da

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