Causos do Cabete

(Bruno Cabete) #1
CausosdoCabete | 10

E como Paulino não era muito de prosa e só queria estudar, Marcão um
dia tirou a porta de seu quarto e a escondeu em outra república, do outro
lado do rio, até o moço se enturmar, quando teve sua porta de volta. Nos-
sas conversas varavam horas, veio o tempo do truco e do ativismo político.
E ríamos, como ríamos, com a vida pela frente.
Um dia, sem perceber bem o peso de tão graves decisões, fomos toman-
do outros rumos. E em vez de nos ver, passamos a nos escrever, a contar
dos novos tempos e dos novos horizontes. Guardo muitas cartas dele,
como hoje guardo seus e-mails. Enquanto eu virei mineiro de Itajubá,
Marcos, após alguns anos de Paulicéia, obteve sua alforria e retornou à sua
Ribeirão Preto, localidade da Grande Altinópolis, onde sentou praça e anos
depois, montou até cutelaria, com direito a forja e todos os apetrechos do
ofício. Nesse campo, ele é o Marcão dedicado de sempre e tem feito umas
lindezas de facas e facões, com tenacidade e suas tenazes. E continuamos
nos vendo de quando em quando, certamente menos do que gostaríamos.
Mas como disse certa vez Vinícius de Moraes, mesmo quando não estamos
com os amigos, é bom saber que eles existem e estão lá, sempre no fundo
do coração. Para o bom e para o mal, como um pote de ungüento precioso
ou garrafa de bom vinho, que se guarda para comemorar.
Não quero tomar o tempo do leitor e atrasar sua viagem pelos aconteci-
dos das próximas páginas, mas preciso deixar claro que por traz desses
causos está uma pessoa especial, depurada ao longo dos anos. Um dia
desses, a minha Cris (Marcos tem a dele, boa sorte parecida) me observou
como o Marcos não tinha pressa para fazer bem feito: foi assim com o
Bruno e com Mateus, com suas facas e seus gumes, com tudo. No mesmo
feitio, esses contos se decantaram por anos, sempre foram verdade, mas
ficavam escondidos na memória, revelados de soslaio e por pouco tempo
na prosa depois do jantar, até ganharem essa forma de letra e livro. Que
bom que seja assim. Como maior admirador do Marcão-escritor, o Zé
Hamilton deve estar satisfeito, levando esse feixe de causos a todo canto
do céu, divertindo o povo lá de cima.
O Marcão e seus causos lembram bem o cambucá, fruta nossa, das supe-
riores e pouco conhecida, prima da jabuticaba. Quem provou sabe e respei-
ta, pois não é coisa fácil. Um cambucazeiro pede muitos, muitos anos para
frutificar, mais de quinze anos. E se não plantar, leva ainda mais tempo.
Que bom que o Marcão nos trouxe seus cambucás...


Guto/Setembro de 2005
Guto ou Luiz Augusto Horta Nogueira é professor titular da Universidade Federal de
Itajubá, foi cientista visitante na FAO e diretor na ANP e sobretudo, é amigo do Marcos
Cabete.
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