A coragem do caipira | 79
para agir e enquanto isto elas continuavam a devastar. Quando
parei para reabastecer o pulverizador e já estava sentindo o efeito
tóxico do veneno meu pai aproximou-se de mim e disse:
- Deixe, elas também são filhas de Deus e também precisam
comer. Deixe-as em paz, depois plantamos outro milho e outro
arroz!
No momento não entendi aquela atitude. Julguei seu ato como
sendo de resignação e conformismo. Hoje tenho outra visão dos
fatos, penso que precisa ter muita coragem para se trabalhar dia a
dia na dependência e em interação com a natureza. Às vezes per-
de-se, em minutos, meses ou até anos de trabalho em uma chuva
de granizo, uma nuvem de gafanhotos, um raio, uma planta vene-
nosa, uma tromba d’água ou outra catástrofe da natureza perante
a qual o homem é impotente mas tem a coragem suficiente e ne-
cessária para recomeçar.
Em uma ocasião tivemos que matar mais de vinte animais, entre
cachorros e gatos de nosso sítio e vizinhos, pois fomos visitados
por um cachorro raivoso e não sabendo quais tinham sido conta-
minados tivemos que sacrificar todos. Foi uma choradeira dana-
da. Minhas irmãs, que são em cinco, amontoaram-se sobre uma
cama e choraram o dia todo encharcando a colcha e o lençol.
Minha mãe que nunca foi de desperdiçar nada colocou os pa-
nos para secar no varal e depois de secos estendeu um pano
de colher café sob os panos e foi batendo neles com um
pau. O sal das lágrimas que caiu dos panos ela
juntou e deu para cozinhar um mês inteiro!
Nosso tio Antônio, a quem chamávamos de
tio Tonho, foi a única vítima humana desta tra-
gédia. Um gato que escapou da matança con-
traiu a hidrofobia e atacou-o. Cravou
seus dentes na batata da perna de
nosso tio e não largou por nada
deste mundo. Mataram o gato e
ele continuou grudado. Parecia ca-
beça de saúva quando a gente gruda
na beirada da camisa e arranca o corpo. Meu