Os pernilongos de Vassanunga | 93
Os pernilongos
de Vassununga
Minha esposa, Cristina, teve um tio-avô italiano que possuía o de-
dão da mão esquerda duplo, com duas unhas formando um “Filipe”,
defeito que muito chamava a atenção da criançada. Quando criança
eu ia muito à Santa Elisa, fazenda em que o “Tio Napoleão” morava.
Lá ainda hoje existe o imenso pomar de jabuticabeiras e muitas fru-
tas daquela época, inclusive um enorme pé de carambolas, que eu
insistia em comer e os italianos sempre ralhavam comigo dizendo
que aquilo era venenoso. E, realmente, em algumas crianças a
carambola provocava incontroláveis soluços, mas só recentemente
um pesquisador da USP descobriu que a carambola possui uma neuro-
toxina que pode matar pessoas com problemas renais.
Em uma de minhas idas à casa da Tia Maria e do Tio Napoleão (o
tio e tia passam a fazer parte do nome da pessoa por isto coloquei
em maiúscula) em que meu interesse maior era o bolo de fubá com
nata, assado na panela, na chapa do fogão à lenha e com uma tampa
de ferro cheia de brasas por cima, para ficar bem coradinho, o tio
contou a história do dedão Filipe.
Quando chegou ao Brasil trabalhou em várias fazendas e naqueles
tempos algumas estavam na fronteira entre a civilização e a mata
fechada, onde viviam diversos animais nativos e o maior predador de
todos que é a onça pintada. De certa feita uma onça descobriu que
comer bezerros, porcos, cordeiros, cabritos e galinhas era bem mais
fácil do que caçar os espertos animais silvestres.
Quando o prejuízo começou a incomodar, o patrão pegou uma
grossa espingarda socadeira e mandou que o Napoleão fosse para a
beira da mata, onde haviam avistado os rastros da pintada e ficasse
de espreita para aguardá-la e matá-la. Totalmente inexperiente na
caçada de onças o italiano muito ouviu dos outros peões sobre a
agressividade e agilidade do animal, sobre seu apurado olfato e audição
incrivelmente sensível e lá se foi bem cedinho, antes do nascer do sol.