Um desses anúncios, publicado em 16 de fevereiro de 1828, no Diário do Rio de Janeiro,
diz:
Na Praça da Constituição, nº 10, vende-se uma muito vistosa mucama de Nação, sabe todo o
serviço de casa, faz uma camisa dando-se-lhe cortada, lava, engoma liso, cozinha, e assa, de
forno, e de fogão, não tem moléstias nem vícios conhecidos.
Às sinhás e sinhazinhas não competia cuidar da cozinha, mas elas às vezes
arregaçavam as mangas para fabricar doces finos que impressionassem os convivas,
produzindo uma confeitaria em tudo distinta do doce de tabuleiro das cozinheiras
negras, como descreveu Gilberto Freyre em seu livro Açúcar. Desenhava-se aí uma das
principais dinâmicas do serviço doméstico, vigente até a atualidade: a patroa se
dedicava ao “requintado”, enquanto a cativa ou, depois, a empregada, se incumbia do
“básico”.
Como se sabe, o fim da escravatura não significou uma ruptura profunda nesse tipo de
relações. Diversos estudos apontam que o trabalho doméstico foi um dos setores que
mais absorveu a população recém-liberta: mulheres negras empregaram-se como amas-
secas e de leite, engomadeiras, cozinheiras e faxineiras, enquanto os ex-cativos do sexo
masculino passaram a atuar em serviços adjacentes à casa, como os de marceneiro e
pedreiro, além de cuidarem da lavoura e de atividades relacionadas ao comércio.
Em 1912, um ano antes do nascimento de minha bisavó, a professora Eulália Vaz, da
Escola Profissional de São Paulo, publicou A Sciencia no Lar Moderno. O livro é um dos
primeiros indícios de que algo estava mudando na mentalidade brasileira a respeito da
vida doméstica, o que fica claro no trecho abaixo, em que a autora convida as leitoras
(mulheres da elite, às quais se dirigia a obra) a colocar de lado seus receios e adentrar o
mundo da cozinha:
As senhoras, geralmente, que têm uma educação fina, de salão, casam-se e veem-se em apuros
para dirigir a sua casa. Esbarram com mil dificuldades, sofrem, afligem-se por não saberem levar
a efeito a parte mais interessada da casa; felizmente vão aparecendo os livros práticos e auxiliares
para este labor contínuo e interminável.
Há tempos era um preconceito que os pais tinham, como digo sempre, geralmente a educação que
davam às suas filhas estendia-se a proibição de irem à cozinha, privarem-nas de tratar com
fâmulos. A educação de uma moça de família distinta era incompatível com o andamento geral
da casa. Quantas não se viram em embaraço. Acostumadas ao elemento servil, sem prática,
casavam-se e encontravam um marido amigo de gulodices, quitutes e arranjo caseiro. Que
suplício?!!